Comentários falsos decidiram o debate da neutralidade da Internet nos EUA

Investigação da procuradoria-geral do Estado de Nova Iorque releva que mais de 81% dos 22 milhões de comentários enviados à Comissão Federal de Comunicações sobre a neutralidade da Internet eram falsos.

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Os comentários falsos foram usados pelos dois lados do debate Kyle Grillot

Perto de 18 milhões dos 22 milhões de comentários enviados em 2017 à entidade reguladora das comunicações dos Estados Unidos sobre o fim da neutralidade da Internet eram falsos. As opiniões fabricadas contribuíram para a eventual revogação da lei norte-americana, introduzida durante a administração de Barack Obama, que impedia os fornecedores de Internet de influenciar o conteúdo que os clientes viam online — por exemplo, ao definir páginas ou plataformas mais rápidas.

A informação resulta de uma longa investigação levada a cabo pela procuradoria-geral de Nova Iorque. Os resultados foram partilhados no começo de Maio.

Ao todo, 8,5 milhões dos comentários falsos (47%) recolhidos pela Comissão Federal de Comunicações (FCC, na sigla inglesa) em 2017 estão associados a uma campanha de 4,2 milhões de dólares (3,4 milhões de euros) da Broadband for America, consórcio composto pelos principais fornecedores de Internet nos EUA que incluem a AT&T, Charter e Comcast.

Muitos dos comentários vinham anexados com nomes de pessoas que nunca enviaram informação à FCC. Parte dos dados foram obtidos, ilegalmente, de bases de dados de publicidade ou ciberataques. Outros comentários eram assinados por pessoas que autorizaram dar os seus dados pessoais em troca de livros de receitas, descontos para filmes ou amostras grátis de comprimidos para melhorar a libido masculina. Foram recolhidos por empresas de marketing contratadas pela Broadband for America.

A motivação era arranjar pessoas para defender o fim da neutralidade da Internet nos EUA, a política da era de Barack Obama que obrigava os fornecedores de Internet a tratar todos os sites, serviços e aplicações online (fossem gigantes tecnológicos ou pequenas startups) da mesma forma. 

Isto significa que os vídeos de uma pequena startup tinham de ser transmitidos à mesma velocidade que os vídeos de gigantes como o YouTube, da Google.

Guerra dos comentários falsos

Os críticos da lei não foram os únicos a recorrer a comentários falsos. Pelo menos, 7,7 milhões de comentários a favor da neutralidade online foram escritos por um estudante universitário na Califórnia a licenciar-se em Ciências da Computação. Na altura, tinha 19 anos. Contrariamente à Broadband for America, os comentários eram assinados por nomes falsos gerados automaticamente. 

“As vozes americanas estão a ser apagadas por massas de comentários falsos e mensagens submetidas ao governo para influenciar o processo de decisão”, criticou a procuradora-geral de Nova Iorque Letitia James, num comunicado sobre os resultados da investigação. “Em vez de procurarem realmente respostas reais do povo norte-americano, as empresas de marketing estão a atrair indivíduos vulneráveis para os seus sites na Internet com ofertas gratuitas”, continuou. 

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2017. Foram utilizados comentários falsos pelas duas partes do debate Jonathan Alcorn

Fornecedoras não pagam

Três dos serviços de marketing envolvidos na fabricação de comentários — a Fluent, React2Media, a Opt-Intelligence — aceitaram pagar mais de quatro milhões de dólares pela forma como recolheram os comentários e serem mais transparentes sobre os objectivos que as levam a recolher informação. Os acordos exigem que as empresas paguem 3,7 milhões de dólares, 500 mil dólares e 150 mil dólares, respectivamente, pela má conduta.

Apesar das conclusões, as fornecedoras de telecomunicações não vão ser alvo de represálias. Como os comentários de terceiros foram recolhidos por empresas de marketing contratadas pela Broadband for America, a equipa de James nota que não há provas de que os fornecedores de Internet tenham tido “conhecimento directo da fraude”.

Letitia James apela aos legisladores para “fortalecer as leis” e criar sanções para comentários falsos com nome de pessoas reais. 

Com o fim da neutralidade da Internet, em Dezembro de 2017, os reguladores voltaram a poder dar prioridade a alguns serviços, bloquear outros e criar pacotes mais favoráveis a prestadores de serviços online, como é o caso da Amazon ou da Netflix, com quem têm acordos. 

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