Balanço da coesão

É necessário que o foco para o próximo ciclo de investimentos e fundos seja a coerência estratégica das ações a apoiar, nomeadamente o seu alinhamento com os desafios da transição energética e digital

Quando, há 35 anos, Portugal formalizou a entrada na então Comunidade Económica Europeia, as expectativas eram extremamente elevadas. Muitos achavam que em pouco tempo o nosso país se equivaleria a França, Alemanha ou Reino Unido, que a abertura do mercado único iria representar uma grande vantagem para as empresas nacionais e os milhões vindos de Bruxelas depressa iriam desenvolver o país.

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António Cotrim/Lusa

O profundo europeísmo de Mário Soares tinha-o levado a pedir a adesão à CEE logo no primeiro Governo Constitucional, apenas dois anos após o fim da ditadura. Movia-o o seu profundo europeísmo, mas também a perceção de que só a integração no espaço europeu poderia assegurar a Portugal a estabilização democrática e uma via consistente de desenvolvimento. Não se enganou.

A adesão trouxe muitas oportunidades que contribuíram para a modernização do país. Os Fundos da Política de Coesão, em particular, foram essenciais para modernizar o tecido empresarial, dotar o país de importantes redes de infra-estruturas e dar resposta a problemas sociais persistentes. Mais de 140 mil milhões de euros de fundos europeus foram assim utilizados em Portugal desde a adesão.

Os sistemas de incentivos às empresas foram desenhados para que estas melhorassem a sua competitividade, o que passou pela sua atualização tecnológica, desenvolvimento organizativo, melhoria das qualificações dos trabalhadores e inovação.

O Fundo Social Europeu promoveu a melhoria da qualificação de jovens e adultos, apoiou o combate à pobreza e a criação de respostas sociais como creches, lares e muitos outros serviços públicos de interesse geral.

Ao mesmo tempo, e em muitos casos por iniciativa das autarquias, que puderam também elas recorrer aos fundos europeus, por todo o país foram construídas redes de saneamento, estradas, escolas, centros de saúde, infra-estruturas sociais, equipamentos culturais e desportivos, entre muitos outros.

No entanto, a adesão confrontou também o país com as suas debilidades. Os baixos salários da indústria nacional não chegavam para competir com a maior produtividade dos concorrentes estrangeiros, ditando a falência de muitas empresas. A agricultura predominantemente arcaica e de subsistência era incapaz de sobreviver perante a entrada de produtos mais baratos vindos do exterior. As consequências sociais foram em muitos casos bem visíveis, mas a verdade é que a alternativa - não aderir à CEE - teria consequências muito piores.

Apesar de uma fase de transição difícil, o país foi-se transformando positivamente ao longo das últimas décadas. Tornou-se mais competitivo e mais coeso.

E ao contrário do que muitas vezes é referido, a maior parte desse valor foi mesmo destinado às regiões menos desenvolvidas. E ainda bem que assim foi.

Assim como queremos que Portugal convirja com os seus parceiros europeus, é também essencial que as regiões menos desenvolvidas do país se aproximem daquelas que o são mais.

Nesse sentido, os fundos europeus procuraram contrariar a força centrípeta exercida pelas grandes cidades, concedendo regimes de apoio mais favoráveis para as empresas que se instalassem nas regiões menos desenvolvidas, e em particular no interior, ao mesmo tempo que promoveram a criação de serviços e infra-estruturas que ajudaram a fixar população.

Ao fim de mais de três décadas, podemos dizer que nesta matéria o balanço é claramente positivo. Apesar do declínio populacional de muitas regiões, há outras que conseguiram suster e até aumentar a sua população. Além disso, é incontornável reconhecer que a qualidade de vida fora das grandes cidades muito deve aos investimentos apoiados por fundos europeus. Do Túnel do Marão à barragem do Alqueva, dos grandes centros industriais do Minho à rede de centros escolares em todo o país, muitos são os exemplos em que a política de coesão contribuiu para a convergência interna no nosso país.

Agora que o novo período de programação de fundos europeus se iniciou (que nos primeiros anos coincidirá temporalmente com o Plano de Recuperação e Resiliência), tanto as entidades públicas como privadas serão convidadas a participar com os seus projetos neste contínuo esforço de modernização do país.

É, por isso, necessário que o foco para o próximo ciclo de investimentos e fundos seja a coerência estratégica das ações a apoiar, nomeadamente o seu alinhamento com os desafios da transição energética e digital. Devemos abraçar plenamente estas transições, mas as mudanças não podem ser feitas à custa das regiões menos desenvolvidas e das suas populações. A dimensão social das transições tem de ser um elemento central neste processo, para que ele seja justo e ninguém seja deixado para trás.

É isso que o país, as regiões e as pessoas merecem.

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