Uma Europa que protege. Uma Europa que não esquece

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Nelson Garrido

O comboio dos direitos sociais tarda em chegar a muitos apeadeiros europeus. E onde chega, chega sempre tarde. Tenhamos a consciência de que cada dia perdido será um espinho a mais no cravo da esperança e da dignidade. Convocando ao Porto todos os líderes europeus, a presidência portuguesa da União Europeia terá a difícil tarefa de estimular um plano de ação inclusivo para que a recuperação económica seja, finalmente, centrada nas pessoas e no seu bem-estar. Desde a aprovação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais, para o qual foi fundamental o trabalho da eurodeputada Maria João Rodrigues na negociação com o Conselho e com a Comissão Europeia (CE), muito se tem escrito e pouco se tem feito para a sua efetivação.

A proclamação, em Gotemburgo, daquele que é, porventura, o programa social mais ambicioso alguma vez esboçado no quadro europeu, prometia trazer consigo uma nova vaga de emprego jovem e a esperança de um futuro melhor para uma geração de dezenas de milhões de jovens que, pela primeira vez em 70 anos, se arriscaria a ser mais pobre do que a geração dos seus pais. Numa altura em que milhões de famílias, jovens e menos jovens, rostos intermináveis em profundo desespero, perderam os seus entes queridos, perderam emprego e perderam rendimentos, é crucial que a ‘Europa Social’ sirva a recuperação da ideia de uma Europa justa, plural e digna. De uma Europa onde todos cabem. E para isso não bastam palavras vãs.

Destaco, assim, 3 objetivos essenciais para este plano de ação: primeiro, a efetivação do salário mínimo europeu. Sendo verdade que a Comissão deu, neste mandato, pela mão do comissário Schmit, passos decisivos neste sentido, importa efetivar esta medida urgentemente. Não é razoável, nem justificável, que 10% dos trabalhadores da UE vivam, hoje, na pobreza. Não é justo, nem digno, que sejam os trabalhadores com salários mais baixos – trabalhadores informais, da limpeza ao comércio local – aqueles que mais sofrem com esta crise. Para que a “dignidade do trabalho seja sagrada”, como tão bem afirma a presidente da CE, importa assegurar que estas pessoas não percam o pouco que têm, sob pena de danos irreversíveis.

Segundo, o aproveitamento da transição digital e sustentável para criar um programa de empregos com salários mais altos e competitivos à escala global. A forte ambição da UE para esta década tem de ser acompanhada por salários que fixem os mais jovens em território europeu. Importa que a transição digital, à semelhança de outras revoluções industriais, crie empregos sólidos e estáveis. Precisamos de reforçar o diálogo tripartido – entre governos, empresas e sindicatos – para que o progresso tecnológico alavanque uma nova agenda de direitos sociais, da proteção de dados à saúde mental no trabalho, e melhor qualidade de vida para uma geração suspensa.

Terceiro, a criação da Garantia Jovem para Crianças Vulneráveis. Ultrapassados e concluídos os estudos de viabilidade, num processo que se arrasta desde 2015, urge implementar um programa que garanta às crianças europeias acesso à educação, à saúde, à habitação decente e à nutrição adequada. É preocupante que, no espaço europeu e em pleno século XXI, 1 em cada 5 crianças esteja em risco de pobreza ou exclusão social. Numa comunidade onde 1/3 dos pedidos de asilo que recebe são para crianças, importa que a Europa Social seja um espaço de futuro para todos que cá procuram, tanto quanto uma vida melhor, a sua sobrevivência. Uma Europa que não seja capaz de cuidar das suas crianças, uma Europa que ainda discuta a possibilidade de 1 refeição por dia para cada uma delas, não é o mais belo projeto que todos, em comunidade, já construímos. Hoje é tarde para concretizar o Pilar Europeu dos Direitos Sociais. Mas amanhã será sempre pior.

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