Uma conservação da natureza ainda incompleta

Durante os últimos 50 anos, as áreas protegidas em Portugal sempre destacaram a proteção e a divulgação dos aspetos da biodiversidade, deixando para segundo plano a geodiversidade que a condiciona e lhe dá suporte.

Comemora-se hoje, 8 de Maio de 2021, o 50.º aniversário do Parque Nacional da Peneda-Gerês (PNPG), a primeira área protegida criada em Portugal. Como em tantos outros domínios, a sociedade portuguesa começou tarde a pensar na conservação da natureza. O PNPG foi criado 99 anos depois daquele que é considerado o primeiro parque nacional do mundo (Parque Nacional de Yellowstone, EUA, 1872) e 53 anos após ter surgido o primeiro parque nacional em Espanha (Parque Nacional dos Picos de Europa, 1918).

Inspirado pela comemoração, em 1970, do Ano Europeu da Conservação da Natureza, o regime português de então decidiu publicar a primeira legislação que atribuiu “ao Governo a incumbência de promover a protecção da natureza e dos seus recursos em todo o território...” (Lei n.º 9/70, de 19 de junho). Desde essa data, Portugal desenvolveu até hoje uma rede com 32 áreas protegidas de âmbito nacional, à qual se devem somar as áreas protegidas de âmbito regional e local, assim como as áreas protegidas das regiões autónomas dos Açores e Madeira. Das 32 áreas protegidas de âmbito nacional, apenas uma possui a categoria de Parque Nacional, a mais elevada entre as cinco categorias existentes.

Desde 1970 foi publicada diversa legislação no âmbito da conservação da natureza. Atualmente, Portugal conta com uma Estratégia Nacional de Conservação da Natureza e da Biodiversidade e um Regime Jurídico de Conservação da Natureza e Biodiversidade, para além de estar obrigado a cumprir com as diretivas europeias sobre este tema. Em ambos os documentos, a conservação da natureza inclui a preservação e gestão dos elementos geológicos e biológicos com significativo valor patrimonial. Porém, durante os últimos 50 anos, as áreas protegidas em Portugal sempre destacaram a proteção e a divulgação dos aspetos da biodiversidade, deixando para segundo plano a geodiversidade que a condiciona e lhe dá suporte.

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Das 32 áreas protegidas do país, só o Gerês possui a categoria de Parque Nacional DR

O inventário de património geológico de relevância nacional e internacional, entregue pela comunidade geocientífica à administração pública que tem a responsabilidade de gerir o património natural, está há dez anos nas gavetas do Instituto de Conservação da Natureza e Florestas. Entretanto, uma boa parte destes sítios geológicos de valor excepcional continua a degradar-se e, alguns deles, a desaparecer, levando consigo os registos irrecuperáveis de uma parte da história do nosso território.

A geodiversidade constitui a base para a existência e o desenvolvimento da biodiversidade e condiciona, de forma determinante, mas pouco conhecida, a nossa sociedade e o nosso bem-estar. Reconhecendo a importância da geodiversidade, a UNESCO irá aprovar em Novembro próximo a criação do Dia Internacional da Geodiversidade, uma iniciativa apoiada por 74 países e na qual Portugal teve um papel crucial.

Ao longo do último ano, ouvimos muitas vozes alertar para a necessidade imperiosa dos seres humanos entenderem, de uma vez por todas, que temos de viver dentro dos limites que a natureza nos impõe. A nossa sobrevivência depende de conseguimos alcançar um equilíbrio entre o que a geodiversidade e biodiversidade nos oferecem e o nível de prosperidade e bem-estar a que todos os seres humanos têm direito.

Necessitamos de áreas protegidas que efetivamente assegurem os objetivos para que foram criadas: proteger os elementos geológicos mais relevantes e combater o declínio da biodiversidade e dos ecossistemas, permitindo em simultâneo um uso equilibrado por parte de todos.

O Parque Nacional da Peneda-Gerês, sendo a única área protegida em Portugal com esta categoria e possuindo características geológicas únicas que são a razão de ser de uma paisagem e de uma biodiversidade a que ninguém fica indiferente, deveria ser o modelo para todas as restantes áreas protegidas portuguesas no que respeita a uma conservação da natureza holística, que inclua todos os bens naturais, geológicos e biológicos, enquadrados pelos aspetos culturais que também imprimem uma inegável marca no território. 

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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