Basta uma recomendação para garantir um rendimento mínimo europeu? Muitos acham que não

Participantes na sessão da Cimeira Social do Porto dedicada a discutir o bem-estar e a protecção social dos europeus pediram audácia nas propostas de combate à pobreza e exclusão social dos europeus.

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Os sem-abrigo "não caem do céu aos trambolhões", lembrou comissário europeu Adriano Miranda (arquivo)

A proposta de uma recomendação da Comissão Europeia sobre rendimento mínimo europeu prevista para 2022 aponta na direcção certa, mas arrisca-se a ter poucos efeitos práticos se não for transformada em directiva aplicável a todos os Estados-membros da União Europeia. Esta foi a convicção mais ou menos generalizada entre os participantes numa das sessões da Cimeira Social do Porto, realizada esta sexta-feira, e dedicada a discutir o bem-estar e a protecção social dos habitantes de uma Europa que soma 91 milhões de pobres e excluídos e que está ainda a recuperar de duas crises: a do euro e a provocada pelo novo coronavírus, cujos efeitos económicos e sociais são ainda incertos.

Confrontada com essa questão, a ministra de Estado e da Presidência, Mariana Vieira da Silva, lembrou que os objectivos definidos no Pilar Europeu dos Direitos Sociais, entre os quais se encontram a meta de, até 2030, reduzir em 15 milhões os europeus em situação de pobreza e exclusão social, “implicam um esforço significativo e desigual para os países” da UE a 27. Logo, “os que quiserem ir mais rápido têm a vantagem de poder ir enquanto os outros podem avançar mais devagar, sem deixarem de estar comprometidos”, referiu, repetindo uma ideia já antes defendida pelo comissário europeu para o emprego e direitos sociais, Nicolas Schmidt, que, reconhecendo embora que uma directiva teria outro peso jurídico, sustentou que a existência de uma mera recomendação sobre o rendimento mínimo europeu “não significa que não lhe será dada continuidade”.

“Vamos todos trabalhar arduamente com todos os parceiros sociais para encontrar soluções adequadas”, asseverou o luxemburguês, dizendo-se seguro de que a forma adequada de proteger as pessoas mais vulneráveis, nomeadamente em face da dupla transição ecológica e digital que se avizinha, “não é obrigá-las a ir a um banco alimentar”. “Temos perto de um milhão de sem-abrigo que não caíram do céu aos trambolhões. Somos sociedades ricas, temos dinheiro disponível e muito boas ideias”, declarou, dizendo encarar a cimeira como “um ponto de partida para responder às necessidades” actuais e futuras.

Entre as metas já calendarizadas, encontram-se o compromisso de criar uma plataforma europeia de combate à situação de sem-abrigo e a recomendação para a criação de uma Garantia Europeia para a Infância, capaz de ajudar os Estados-membros a garantir o acesso das crianças necessitadas a um conjunto de serviços essenciais, em pé de igualdade com os seus pares.

No arranque, a oradora convidada, Bea Cantillon, professora na Universidade de Antuérpia, começou por avisar que “a erradicação da pobreza não é barata nem é tarefa fácil”. Logo, “é necessária audácia” nas propostas que vierem a ser desenhadas. E o princípio norteador das reformas, segundo defendeu a deputada espanhola do Parlamento Europeu, Iratxe García Pérez, deve implicar “deixar os défices orçamentais para trás e passar a usar a qualidade de vida dos cidadãos como indicador para medir o êxito das políticas”.

Esta transformação implicará ainda deitar mãos a outros indicadores, além do PIB (Produto Interno Bruto), para medir o crescimento económico e social. “Sabemos da crise anterior que o PIB estava a crescer, mas não havia criação de emprego. E sabemos que, quando fazemos a média salarial, temos uma divisão de cerca de 70/30, pelo que me parece claro que temos de recorrer a um conjunto de outros indicadores para medir o bem-estar e a protecção social das pessoas”, defendeu Liina Carr, representante da European Trade Union Confederation, numa posição várias vezes repetida pelos restantes participantes.

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