O que fazemos quando nem a mais brilhante das faíscas nos acende o espírito?

Quando o burnout chega, sentimo-nos como um fósforo queimado, indiferente a qualquer faísca. É aqui que a intervenção dos psicólogos pode conseguir o que outras abordagens não conseguem: ajudar a pessoa, dentro de si e fora de si, a reconstruir-se e a reestruturar-se.

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Como costumam ver o copo? Meio cheio ou meio vazio? Quando falamos de burnout, infelizmente a forma como vemos o copo não fará grande diferença. Fará diferença, sim, há quanto tempo estamos a segurar o copo.

Evoluímos enquanto espécie para aguentar situações de grande pressão a curto prazo. O nosso cérebro consegue produzir quantidades incríveis de hormonas como a adrenalina e o cortisol para nos fazer reagir a algo que percepcionemos como um desafio importante ou ameaça. Como açúcar numa bebida, a adrenalina e o cortisol são interessantes até uma certa quantidade, a partir da qual, a bebida, outrora doce e agradável, se torna amarga e crescentemente intragável.

E é isto o que acontece num burnout: um estado de exaustão mental, física e emocional, que surge como resposta à exposição intensa e prolongada de stress. Habitualmente associado à nossa vida profissional, o burnout estende o seu impacto a todas as dimensões de vida. Desenvolvemos a percepção de que tudo passa a ser difícil e pesado, sentimo-nos inseguros, incompetentes e distantes de tudo e todos, resultando numa perda de motivação e entusiasmo mesmo em actividades em que anteriormente tínhamos prazer. Algo tão sério e com consequências tão graves deveria ser fácil de identificar, certo?

Muito antes de chegarmos ao burnout, temos vários sinais que surgem mas que nem sempre são fáceis de identificar. Como uma dor na perna, que nos indica que algo poderá não estar bem, os nossos níveis de stress e ansiedade têm muitas vezes a mesma função. Mas num mundo em que níveis elevados de stress se tornaram “banais” e comuns, como percebermos o que está a acontecer? É exactamente porque a dor numa perna é desagradável que nos faz perceber que algo de errado se passa. Quando continuamos a ignorar este sintoma, a dor sobe em intensidade para nos alertar que o problema poderá estar a agravar-se. Se nada fizermos em resposta, a dor poderá mesmo tornar-se incapacitante.

E o mesmo acontece com os nossos crescentes níveis de stress e ansiedade: se os ignorarmos e não pararmos pela nossa própria vontade, o nosso corpo e a nossa mente irão fazê-lo por nós, muitas vezes de forma devastadora. Como uma pisadura ou queimadura por baixo da roupa: não se vê, ninguém vê, e muitas vezes nós próprios sentimos a dor mas nada fazemos porque “não podemos parar”. Tornamo-nos peritos em disfarçar e esconder essa dor, sob pena de ignorarmos um sinal vital da nossa mente e acumularmos cada vez uma maior pressão. É uma condição extraordinariamente injusta. Ataca o nosso trabalho, deteriora o nosso bem-estar, a nossa identidade, o nosso sentido de propósito e realização. Deixa-nos de rastos e indisponíveis até para aqueles que mais gostamos. Tudo parece parar e ficar estranho: o passado perde clareza, o presente agride-nos e o futuro está coberto com um nevoeiro que não nos deixa acreditar que poderá ser diferente.

O que podemos fazer então? Faço-vos a pergunta, que todos deveríamos fazer pelo menos uma vez por semana: de zero a dez, quão desgastado me sinto? Quão próximo posso estar de um burnout? É uma escala subjectiva. Mas é também um termómetro que nos permite monitorizar como nos sentimos. Se estiverem pelo menos num sete ou oito, saibam que este é o momento ideal para procurarem ajuda: a rapidez e facilidade de recuperação entre um oito ou um nove é abissal, porque a partir do momento em que entramos em burnout, a gravidade dos sintomas e a falta de energia para reagir vão dificultar e prolongar o processo de recuperação. Se estiverem abaixo destes valores, devem manter-se atentos e continuar a manter o equilíbrio entre o trabalho e vida pessoal, entre lutar por objectivos e descansar adequadamente.

Lembrem-se que não existem alarmes ou lembretes que nos avisam que estamos prestes a queimar. Fisicamente temos receptores sensoriais que nos informam sobre alterações de temperatura, dor, pressão; mentalmente, temos as nossas emoções. Precisamos de prestar mais atenção ao que sentimos, porque as emoções são também um mecanismo interno de sobrevivência carregadas de sabedoria. Quando o burnout chega, sentimo-nos como um fósforo queimado, indiferente a qualquer faísca. É aqui que a intervenção dos psicólogos pode conseguir o que outras abordagens não conseguem: ajudar a pessoa, dentro de si e fora de si, a reconstruir-se e a reestruturar-se. Todos temos uma chama. Essa chama dá-nos energia, entusiasmo e vitalidade. Devemos por isso protegê-la, mas também vigiá-la, para que nos alimente a alma, mas não nos consuma o espírito

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