Ministério Público arquiva inquérito a obstetra do bebé sem rosto alegando que médico não causou as malformações

A procuradora considerou que a malformação do feto “não resultou de erro, omissão ou negligência do médico”, embora tenha reconhecido que o obstetra “violou regras e normas a que estava vinculado”.

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O médico obstetra aposentou-se em Junho do ano passado depois de ter sido sancionado pela Ordem dos Médicos. Pedro Fazeres / PUBLICO

O Ministério Público (MP) de Setúbal arquivou o inquérito instaurado ao obstetra do bebé que nasceu com malformações, Artur Carvalho, revelou à Lusa fonte do MP.

Segundo a mesma fonte, no despacho do arquivamento do inquérito, datado da passada segunda-feira, a procuradora considerou que a malformação do feto “não resultou de erro, omissão ou negligência do médico”, embora tenha reconhecido que o obstetra “violou regras e normas a que estava vinculado [legis artis]”.

“Da investigação resultou apurado que, na realização das três ecografias efectuadas à mãe do bebé durante a sua gravidez, o médico não observou as leges artis, designadamente, as regras estabelecidas pelas normas da DGS e padronizadas na ciência médica para a realização de ecografias obstétricas”, lê-se numa nota publicada na página da internet da Comarca de Setúbal, que explica o arquivamento do inquérito, sublinhando que também se apurou que, “caso as malformações do bebé tivessem sido detectadas nos exames de ecografia ou outros exames complementares durante a gestação, não eram passíveis de serem medicamente intervencionadas ou susceptíveis de tratamento, por forma a extinguir ou minorar o grau de malformação, conforme o parecer do Conselho Técnico Científico do Instituto Nacional de Medicina Legal”.

De acordo com o MP, o diagnóstico atempado apenas poderia “permitir o cabal esclarecimento das opções reprodutivas do casal, nomeadamente a possibilidade de ponderar a interrupção médica da gravidez a realizar nas primeiras 24 semanas, por existirem motivos seguros de que o nascituro viria a sofrer de forma incurável, de doença grave ou malformação congénita, nos termos da Lei n.º 16/2007”.

Por isso, conclui a nota do MP,  ficou assim demonstrado “que o erro médico em nada contribuiu ou sequer potenciou a criação de um perigo de lesão da integridade física do feto ou da sua vida, na medida em que a intervenção médica em nada concorreu para o estado de doença que o feto já padecia, concluindo-se pela inexistência do nexo de causalidade adequada entre a (não) actuação do denunciado e o resultado (doença) ou perigo para a vida ou integridade física quer da assistente, quer de seu filho”.

Por fim, o MP diz que podem ser apuradas responsabilidades civis. "Embora seja incalculável a dor e sofrimento gerados pela conduta do denunciado, não sendo possível estabelecer um nexo causal entre a violação da leges artis e a criação de qualquer perigo para a vida ou integridade física, verifica-se que a conduta do denunciado é atípica, não integrando a prática de crime e, consequentemente, não acarretando qualquer responsabilidade criminal, sem prejuízo da verificação da violação do direito que assistia à assistente de interromper a gravidez, o eventual “direito ao não-nascimento” (apelidado na doutrina como “wrongful birth case” da criança e, indirectamente, a violação dos direitos não patrimoniais de seus pais, susceptíveis de responsabilidade civil”.

Como vários juristas afirmaram quando o caso de Rodrigo se tornou público, não há nas leis penais enquadramento suficiente para punir os médicos em casos deste género - ao contrário do que sucede com os tribunais cíveis, que já por várias vezes atribuíram indemnizações a pais que não foram informados do estado do feto e que por isso não puderam decidir se queriam ou não optar por uma interrupção da gravidez.

A dificuldade reside em punir um crime que é praticado por omissão, com a agravante de estarmos a falar da vida pré-natal, o que torna tudo muito mais complicado ao nível da justiça penal. De resto, noutros casos anteriores com contornos idênticos mas passados com outro médico de Setúbal o Departamento de Investigação e Acção Penal também não teve outro remédio senão arquivar o processo-crime.

E o clínico, cuja conduta foi considerada negligente pelo Ministério Público, não chegou sequer por esta razão a ser constituído arguido, tendo os pais de uma das crianças desencadeado contra ele uma acção cível a seguir a este arquivamento. 

Rodrigo nasceu em 7 de Outubro de 2019 no Hospital de São Bernardo, do Centro Hospitalar de Setúbal, com várias malformações graves, como falta de olhos, nariz e parte do crânio, sem que o médico Artur Carvalho, que realizou as ecografias de acompanhamento da gravidez, tivesse detectado ou sinalizado aos pais qualquer problema.

O obstetra que realizou as ecografias numa unidade privada, a Ecosado, tinha já cinco queixas em curso na Ordem dos Médicos, algumas desde 2013. Entretanto, o médico obstetra aposentou-se em Junho do ano passado depois de ter sido sancionado pela Ordem dos Médicos.

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