Teletrabalho: uma nova realidade

Inexistência de horários, contratos não escritos, propriedade dos instrumentos de trabalho na titularidade do trabalhador, ausência de proximidade e ligação directa entre as partes, novas formas de pagamento de retribuição, entre outros, traduzem-se em verdadeiros obstáculos que a legislação actual não se encontra capaz de ultrapassar.

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Paulo Pimenta

No passado dia 30 de Abril de 2021 foi publicada a Resolução do CM n.º 45C/2021, que veio declarar a situação de calamidade em todo o território nacional continental. Não obstante, o Decreto-Lei n.º 25-A/2021, de 30 de Março, que estabelece como obrigatória a adopção do regime do teletrabalho até 31 de Dezembro de 2021, em todos os municípios do território nacional continental, mantém-se em vigor. 

Deste modo, apesar de Portugal deixar de se encontrar em estado de emergência, continua a ser obrigatória a adopção do regime de teletrabalho independentemente do vínculo laboral, sempre que as funções em causa o permitam e o trabalhador disponha de condições para as exercer.

O teletrabalho veio para ficar e o ordenamento jurídico terá de, logicamente, adaptar-se a esta nova realidade e romper com a inércia legislativa que se tem vivido nesta matéria. Inexistência de horários, contratos não escritos, propriedade dos instrumentos de trabalho na titularidade do trabalhador, ausência de proximidade e ligação directa entre as partes, novas formas de pagamento de retribuição (digam-se, electrónicas/digitais), entre outros, traduzem-se em verdadeiros obstáculos que a legislação actual não se encontra capaz de ultrapassar. E, faltando tais ferramentas legais, poderá significar que aquele (tele)trabalhador perca as suas vestes de trabalhador e se converta num mero prestador de serviços, potenciando-se, desta forma, a lamentável e injusta precariedade laboral.  

Nesta linha, o Livro Verde para o Futuro do Trabalho já divulgou publicamente que irá analisar os vários problemas que a implementação geral deste instituto irá provocar, inclusive, sobre as dificuldades que poderá comportar o reconhecimento do vínculo como laboral no âmbito desta modalidade contratual. Contudo, tal estudo visa precisamente reflectir, diagnosticar problemas, mas não propor soluções, apesar de ser um ponto de partida para uma urgente intervenção legislativa neste sector. 

A actividade empresarial vai acompanhando estes novos tempos, introduzindo a tecnologia na sua actividade produtiva e, agora, mais do que nunca, na dimensão organizativa e estrutural. Porém, ainda que a União Europeia tenha vindo a alertar para as várias dúvidas que poderão surgir, sucede que tem existido sempre um denominador comum intemporal: isto é, o surgimento de novas alternativas para fomentar a precariedade laboral.

Será que a solução passará por uma maior fiscalização [à distância...] da ACT? Pela reformulação da presunção do artigo 12.º do Código do Trabalho que presume existir um contrato de trabalho verificados certos indícios laborais? Ou, pelo contrário, deverá criar-se uma nova presunção para os contratos de trabalho da era digital? Pensamos que, naturalmente, a solução deverá passar por esta última hipótese, com particular intervenção da contratação colectiva neste aspecto. 

É preciso ir mais longe. É certo que [ainda] existe um caminho longo e difícil pela frente; todavia, é preciso colocar as “mãos à obra” e legislar no sentido da criação de uma nova presunção que esteja do lado da parte mais fraca da relação laboral e que possa mitigar, de certa forma, a dificuldade probatória que o teletrabalhador, que se encontra no seu habitat doméstico e familiar, sente na defesa e tutela dos seus direitos emergentes de um estatuto jurídico-laboral e social que, quer se queira quer não, é titular.

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