Os chemtrails da TAP fazem bem e recomendam-se

Hoje, uma viagem de alfa entre Lisboa e Porto demora cerca de três horas. É de relembrar que há três anos a mesma viagem era garantida em 2h44, antes de a empresa gestora da infraestrutura ter reduzido a velocidade máxima de 140 km/hora para 110-120 km/hora, devido à degradação da via-férrea.

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Pawel Kadysz/Unsplash

Num esforço nacional para reduzir as emissões de dióxido de carbono (CO2), o Governo francês decidiu banir todos os voos domésticos entre cidades que possam ser ligadas por comboio em menos de 2h30. Nestes percursos, um avião emite cerca de 77 vezes mais CO2 por passageiro comparativamente à alternativa ferroviária, para além de ser tipicamente mais caro e menos competitivo em termos de tempo. A medida agradou não só ao partido de Macron, mas também à população francesa (e fora dela também), havendo países, como a Alemanha, a ponderar seguir pisadas semelhantes.

Ao que Portugal, como qualquer criança invejosa, poderia perguntar-se: “Então e eu?” Para enquadrar a difícil concretização da medida no caso português, considere-se a teoria da relatividade de Einstein. Certamente todos já experienciámos numa viagem de comboio, quando outro passa na janela ao nosso lado e nos entra no corpo a sensação de imobilidade. Ora, uma excepção que Einstein não contempla é caso o passageiro se encontre num alfa pendular a passar na linha do Norte: aí, é provável que esteja de facto a parar por oito minutos devido às obras entre Espinho e Gaia.

Hoje, uma viagem de alfa entre Lisboa e Porto demora cerca de três horas. É de relembrar que há três anos a mesma viagem era garantida em 2h44, antes de a empresa gestora da infraestrutura ter reduzido a velocidade máxima de 140 km/hora para 110-120 km/hora, devido à degradação da via-férrea. Depois de 20 anos de anúncios e recuos, o grande projecto do Programa Nacional de Investimentos (PNI) em 2019 passava por modernizar e reforçar esta linha, encurtando o trajecto para duas horas. Em 2021, Pedro Nuno Santos sonha mais alto e assegura que a melhor solução será a construção da linha de alta velocidade, projecto incluído no PNI 2030. Cumprindo este plano, as duas cidades ficariam separadas por apenas 1h15, reduzindo o voo doméstico assegurado pela TAP à sua inutilidade face à competição.

Mas será esta supressão necessária para atingir os objectivos de redução de emissões na Europa? Como em qualquer comparação entre alternativas no contexto da sustentabilidade, a solução nem sempre é tão obvia como pode parecer em primeira análise. Críticos desta medida desvalorizam o seu impacto devido ao facto de os voos domésticos constituírem menos de um terço das emissões das companhias aéreas. Assim, o processo de descarbonização deveria ser tecnológico, com recurso a combustíveis verdes ou através do fabrico, teste e certificação de aviões mais sustentáveis. Esta é a estratégia adoptada pelo Reino Unido para cortar por completo as emissões na indústria até 2050. Contudo, a promessa dos ingleses parece especulativa e, em última instância, insuficiente. Na realidade, dificilmente estes objectivos serão cumpridos sem recorrer a soluções mais impactantes de forma imediata, como a medida incluída na estratégia francesa.

Não obstante, caso a medida não seja apoiada e regulamentada a nível europeu, as companhias aéreas nacionais serão afectadas desproporcionalmente. Por enquanto, este problema não parece preocupar o ministro das Infraestruturas português, tendo este admitido que, apesar da situação da TAP, a futura supressão da rota Lisboa-Porto é meramente “consequência do desenvolvimento”. Enquanto se espera pela modernização da linha férrea ou pela criação de uma nova, sugere-se então que se coloque o chapéu de alumínio e se admita que os chemtrails da TAP não são nocivos para o ambiente. Pelo contrário, até fazem bem à saúde de alguns. 

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