Mandetta defende o seu mandato como ministro da Saúde mas poupa Bolsonaro

O ex-ministro protagonizou o primeiro grande depoimento da CPI que investiga a postura do Governo brasileiro no combate à pandemia da covid-19.

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Luiz Henrique Mandetta saiu do Governo a meio de Abril do ano passado Jefferson Rudy / Agência Senado HANDOUT / EPA

O ex-ministro da Saúde brasileiro, Luiz Henrique Mandetta, apresentou-se perante a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) convocada pelo Senado federal para apreciar a conduta do Governo na gestão da pandemia como um defensor de primeira hora das medidas de isolamento social, dizendo ter sempre actuado “com base na ciência”.No entanto, o Presidente Jair Bolsonaro procurou aconselhamento fora do Ministério da Saúde, que o levou a desvalorizar a verdadeira dimensão da crise sanitária e reforçavam a necessidade de manter a economia em funcionamento, disse o ex-governante.

O depoimento de Mandetta durou quase oito horas ao longo desta terça-feira e foi o primeiro de um dos ex-titulares da pasta da Saúde desde o início da pandemia. As revelações que fez perante os senadores mostraram um cenário de grande desorientação por parte do Governo federal na fase inicial da pandemia da covid-19, mas não trouxeram nada de novo para cima da mesa.

Um dos pontos mais relevantes que a CPI se propõe a avaliar é saber se o Governo promoveu activamente uma estratégia de propagação do vírus entre a população e que seria responsável pelo descontrolo da pandemia e as mais de 400 mil mortes registadas desde Março do ano passado.

Sobre isso, Mandetta disse ter apenas a “impressão” de que Bolsonaro procurava atingir o objectivo da chamada “imunidade de grupo” através do contágio natural. “Não posso afirmar, tem que perguntar a quem de direito”, afirmou o ex-ministro.

Mandetta também descreveu os esforços levados a cabo pelo Governo para que a bula da cloroquina, um medicamento utilizado para tratar a malária, incluísse o tratamento à covid-19. Bolsonaro tem defendido a utilização de várias substâncias como “tratamento precoce” contra a doença causada pelo vírus SARS-CoV-2, apesar de vários estudos terem concluído não ser eficaz e de a própria Organização Mundial de Saúde (OMS) ter desencorajado a sua prescrição.

O ex-ministro disse ter sido chamado para uma reunião com “vários ministros e médicos” em que se discutia a inclusão da covid-19 na bula da cloroquina e havia mesmo um decreto presidencial com uma recomendação nesse sentido para ser apresentado junto da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O documento não chegou, porém, a ser assinado por Bolsonaro.

Mais do que tecer acusações duras contra o Governo federal, do qual fez parte até Abril do ano passado, Mandetta tentou garantir que a sua actuação respeitou as recomendações internacionais referentes ao combate à pandemia. “Do Ministério da Saúde nunca houve a recomendação de coisas que não fossem da cartilha da Organização Mundial de Saúde, dessas estruturas todas”, afirmou.

Mandetta saiu do Governo a 16 de Abril, em desacordo com Bolsonaro quanto à introdução de medidas de confinamento para conter a propagação do vírus. Desde então, tem sido crítico da gestão do Presidente e tem tentado construir uma candidatura presidencial para as eleições de 2022.

As críticas mais fortes de Mandetta foram reservadas para o ministro da Economia, Paulo Guedes, a quem chamou de “homem pequeno”, e disse que “talvez tenha sido uma das vozes que influenciou o Presidente” a opor-se a medidas de confinamento. Os senadores querem ouvir o ministro da Economia na CPI.

Bolsonaro foi caracterizado pelo ex-ministro como alguém muito vulnerável a sugestões externas e com dificuldade em percepcionar o risco que a pandemia representava naquelas semanas iniciais. Mandetta disse que frequentemente o Presidente parecia concordar com a sua abordagem, mas acabava por dizer e fazer coisas diferentes.

“Eu achava que estava fazendo um bom trabalho, mas passavam-se dois, três dias, e ele voltava para aquela situação de quem não havia, talvez, compreendido, acreditado, apostado naquela via”, contou.

A CPI vai ouvir esta quarta-feira o ex-ministro da Saúde Nelson Teich, que substituiu Mandetta, mas permaneceu no cargo menos de um mês. Uma das questões mais relevantes que lhe será colocada refere-se à recusa pelo Governo federal em adquirir as primeiras doses de vacinas em meados do ano passado.

O ex-ministro Eduardo Pazuello, que esteve vários meses no cargo, pediu para que o seu depoimento fosse adiado depois de ter estado em contacto com duas pessoas que foram infectadas com a covid-19.

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