Cerca de 155 milhões de pessoas enfrentaram escassez aguda de alimentos em 2020

É o pior valor em cinco anos e as previsões para 2021 não são animadoras: a fome ameaça “persistir em algumas das piores crises alimentares do mundo”, alerta a Rede Global Contra as Crises Alimentares.

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Etíopes que fugiram do conflito da região de Tigré formam fila para receber comida, na fronteira com a Etiópia e o Sudão MOHAMED NURELDIN ABDALLAH/Reuters

Cerca de 155 milhões de pessoas em 55 países estiverem em situações de escassez aguda de alimentos em 2020 – são 20 milhões a mais em relação a 2019. Os dados, exacerbados pela pandemia de coronavírus, por condições climáticas extremas e por conflitos armados, foram revelados esta quarta-feira no relatório da Rede Global Contra as Crises Alimentares (GNAFC, na sigla inglesa). É o número mais elevado de pessoas nesta situação dos últimos cinco anos.

Das 155 milhões de pessoas, 28 milhões estão em risco de passar fome e a situação pode agravar-se no espaço de semanas, disse à Al-Jazeera Luca Russo, um dos co-autores do documento e do gabinete de emergência e reabilitação da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO, em inglês)​.

“Não podemos esperar por uma declaração sobre a escassez de alimentos para agir”, continuou, apelando à comunidade internacional para disponibilizar assistência aos países mais vulneráveis, que recebem 97% de assistência humanitária externa.

O estudo anual, fruto de uma parceria entre a União Europeia, a FAO e o Programa Alimentar Mundial da ONU, atribui o agravamento da situação alimentar mundial a três factores: conflitos armados, condições climatéricas extremas e pandemia de coronavírus. “É uma combinação tóxica”, reforçou Russo.

Como explicou no prefácio do relatório o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, “o conflito e a fome reforçam-se mutuamente e não podem ser resolvidos separadamente”. O conflito “força as pessoas a fugirem das suas casas, terrenos e empregos. Perturba a agricultura e o comércio, reduz o acesso a recursos vitais, como a água e electricidade, resultando na fome”.

A pandemia de covid-19 e respectivos “choques económicos” revelaram “a fragilidade do sistema alimentar global e a necessidade de sistemas mais equitativos, sustentáveis e resilientes”, disseram as organizações parceiras numa declaração conjunta. Por isso, “uma transformação radical nos nossos sistemas agro-alimentares é urgente”, acrescentaram.

Os países mais pobres são os mais afectados e dez sobressaíram pela situação alimentar especialmente preocupante: República Democrática do Congo, Afeganistão, Síria, Sudão, Sudão do Sul, IémenZimbabué, Haiti, Nigéria (região Norte) e Etiópia. Estima-se que mais de 103 mil pessoas encontravam-se, no ano passado, na situação mais severa ou de “catástrofe” de escassez de alimentos, podendo resultar em elevados números de mortes.

Por regiões, a mais massacrada pela escassez de alimentos é África, onde vivem 97,9 milhões de pessoas nesta situação, ultrapassando o Médio Oriente com 29,4 milhões, Sul da Ásia com 15,6 milhões, a América Central e Caribe com 11,8 milhões e o Leste Europeu com 600 mil.

E as previsões para 2021 não são animadoras: prevê-se “um cenário desolador para 2021, com a ameaça da fome persistindo em algumas das piores crises alimentares do mundo”, alertou o GNAFC. “Se as tendências actuais não forem revertidas, as crises alimentares serão mais frequentes e mais severas”, concluiu.

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