Os anos 90 não foram há 30 anos

O tempo passa, inevitavelmente. Há quem diga que todas as gerações passam pelo mesmo, que a transição para a vida adulta é um soco no peito para qualquer um com a sorte de envelhecer. Então porque é que nos custa tanto aceitar que já não somos os miúdos?

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Kurt Cobain em 1993 JEFF KRAVITZ/FILMMAGIC

No outro dia um amigo disse-me que o Kurt Cobain tinha morrido há 27 anos. E assim teve início toda uma crise existencial. Ora escutem: para os alunos da secundária, os Nirvana são tão velhos e distantes como para nós eram os Beatles quando lá andávamos. As Spice Girls e os Backstreet Boys tão antigos e a tresandar a naftalina para eles como para nós eram os Jackson 5 ou as Supreme.

Não, nós já não somos os miúdos. Ninguém quer saber das colónias de férias onde apanhávamos piolhos e trocávamos matutanos; das manhãs passadas a ver as mais recentes aventuras do Krilin e do Vegeta (não, o Vegeta não era nenhum Deus vegan); do fascínio pelo mítico Macaco Adriano; dos serões a jogar Sonic na Megadrive ou a tentar ligar para o programa mais interactivo de sempre, o Hugo; ou mesmo das férias de Natal em que organizávamos concursos de dança para ver qual prima imitava melhor a Geri ou a Victoria, filmados pela câmara gigante do pai que o fazia parecer um repórter de guerra.

Aquela comitiva de gente “fatela” com bigode farfalhudo e permanentes no cabelo, que se vestiam com double denim e fatos de treino tricolores, que tratavam das nossas festas de aniversário, que nos preparavam a melhor roupa para o dia da fotografia da escola e que nos iam buscar de manhã quando ficávamos a dormir na casa dos amigos, essa gente aborrecida que só falava de trabalho e que gostava de ouvir Michael Bolton (medo), meus caros, essa gente somos nós.

Visto de uma forma objectiva, não há nada de surpreendente nesta análise. O tempo passa, inevitavelmente. Há quem diga que todas as gerações passam pelo mesmo, que a transição para a vida adulta é um soco no peito para qualquer um com a sorte de envelhecer. Então porque é que nos custa tanto aceitar que já não somos os miúdos? Oiçam-me.

Pensemos na geração dos nossos pais, os nossos queridos boomers. De forma geral, aos 20 e poucos anos estariam já casados (ou a pensar nisso), alguns já com o primeiro filho, pelo menos um dos membros do casal estaria a iniciar o único emprego, que duraria até aos 65 anos, teriam o seu carrinho (ou dois) e casa comprada, algures no centro da cidade, que lhes teria custado 10.000 euros. Vocês, os da minha geração, o que andavam a fazer aos 20 e poucos anos?

Deixem-me adivinhar. Estariam a terminar um mestrado e a pensar que outro curso haveriam de inventar para adiarem ao máximo serem catapultados para um mercado de trabalho que não vos queria. Estariam a ponderar emigrar, como alternativa a ficar a viver com os vossos pais até aos 30. Estariam a reflectir se algum dia teriam filhos ou alguma relação estável. Estariam a conduzir o carro da vossa mãe a caminho do turno do call centre, onde ganhariam 500 euros, o que com sorte já daria para irem ao festival de verão ver os Soundgarden, e fantasiar que ainda corriam os anos 90 e tinham o futuro todo pela frente.

Portanto, não, o Kurt Cobain não morreu há 27 anos. E nós ainda somos miúdos. Deixem-nos acreditar que o tempo não passou, porque de sonhos pouco nos resta.

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