Metade da população da Birmânia pode cair na pobreza até final do ano, alerta ONU

Em 2017 o país asiático registava uma taxa de pobreza de 24,8% e pode vir a recuar para valores que não se registavam desde 2005, quando vigorava o anterior regime militar.

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Birmaneses fazem fila junto a multibancos para levantar dinheiro, devido à crise financeira EPA

Com a pandemia do coronavírus e o golpe militar, uma crise de duas frentes ameaça quase metade da população da Birmânia, que pode cair na pobreza até ao final do ano, alertou o Programa para o Desenvolvimento das Nações Unidas (PNUD) num relatório publicado esta sexta-feira. O país asiático pode entrar num “choque sistémico” e numa “disrupção duradoura” no desenvolvimento, incluindo em matérias de direitos humanos e democracia.

“Estamos a enfrentar uma tragédia iminente”, avisou o administrador da PNUD, Achim Steiner, citado pela CNN. O Programa Mundial Alimentar (PAM) já tinha feito um alerta na mesma linha, na semana passada, alertando para a crise humanitária que estava a acontecer: estima-se que nos próximos seis meses 3,4 milhões de pessoas possam vir a sofrer de “fome e desespero”.

Já no final do ano passado, cerca de 83% das famílias registaram uma diminuição quase de metade dos rendimentos durante a pandemia. Segundo o PNUD, é esperado que a pobreza urbana triplique e que a situação dos grupos mais vulneráveis se agrave, nomeadamente das mulheres e crianças.

A pandemia e consequentes confinamentos resultaram numa crise económica, afectando vários sectores e cadeias de abastecimento, obrigando muitos trabalhadores migrantes a retornarem a casa.

E o golpe militar de 1 de Fevereiro e os protestos populares que se seguiram – e que continuam –, juntamente com greves transversais a vários sectores, ajudaram a agravar a situação económica, limitando a possibilidade de uma recuperação.

Consequentemente, verificou-se um aumento do custo dos bens alimentares – devido a rupturas nas cadeias de abastecimento –, significativas perdas de rendimentos, retrocessos nos serviços básicos, como o acesso a serviços de saúde e serviços financeiros, e uma rede de segurança social inadequada, podendo resultar num aumento da população abaixo da linha da pobreza de 1,10 dólares por dia.

Somando o agravamento da segurança, dos direitos humanos e do desenvolvimento desde Fevereiro, o país pode ser arrastado para uma crise duradoura na “trajectória do desenvolvimento da Birmânia”, lê-se no documento. Isto, porque a crise não afectará apenas a nível humanitário, mas também a nível da democratização.

Estes níveis de pobreza não se registavam desde 2005, quando o país estava isolado devido ao regime militar anterior, informou o documento. Assim, “as conquistas do desenvolvimento conquistadas durante uma década de transição democrática estão a ser destruídas no espaço de meses”, disse à Reuters a secretária-geral assistente da ONU e directora regional para a Ásia e para o Pacífico da PNUD, Kanni Wignaraja.

Nos últimos 15 anos, o país asiático logrou recuar a taxa de pobreza de 48,2% para 24,8% em 2017, de acordo com o relatório. Mas continuou a ser considerado um dos países mais pobres na Ásia, com um terço da população a subsistir com rendimentos baixos e precários, e as conquistas continuavam a ser frágeis. E tanto a pandemia, como a Junta Militar, ajudaram a expor as fragilidades.

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