Um erro por pura teimosia, contra tudo e contra todos

A passagem da tutela dos animais de companhia para o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas é mais uma manifestação evidente da opção do Governo PS em desmantelar as estruturas relacionadas com o Ministério da Agricultura.

No verão do ano passado, o país assistiu atónito a um incêndio que afetou dois canis ilegais localizados numa zona florestal da freguesia da Agrela, em Santo Tirso. Os meios de comunicação dedicaram muita atenção ao tema; o Governo foi rápido (embora pouco rigoroso) a declarar culpados e a tentar desviar a atenção para o problema, anunciando como pretensa solução a transferência de responsabilidade das questões dos animais de companhia para o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), retirando as anteriores competências à Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV).

Inúmeros especialistas vieram a público contestar esta intenção, alertando para as consequências que poderiam daí advir. Esta intenção (leia-se teimosia) do ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, contraria as orientações da Organização Mundial da Saúde Animal (OIE) e da Federação dos Veterinários da Europa (FVE), que, em posições públicas, explicaram que a organização dos serviços oficiais de veterinária dos países é um fator da maior importância para a gestão e o controlo de crises sanitárias como aquela com que o mundo se debate há mais de um ano. Também a Ordem dos Médicos Veterinários e outros especialistas internacionais afirmaram que, com esta divisão, poderá ficar em risco a saúde das populações e dos próprios animais, podendo contribuir para o retorno de doenças consideradas no momento como erradicadas. Especialistas defendem que tal decisão descarta o conhecimento e experiência acumulada da Autoridade Veterinária Nacional, comprometendo a sua capacidade de coordenação, de planeamento e a independência técnica. 

Mais de 40 associações e confederações do sector subscreveram uma carta aberta dirigida ao Presidente da República e ao primeiro-ministro, reforçando esta mensagem. E também o Parlamento se fez ouvir: a Assembleia da República aprovou um Projeto de Resolução do PCP (n.º 704/XIV-2.ª), que recomenda que a alteração não seja efetuada, e que o Governo reforce o investimento na DGAV. Mas o Governo – que detém a competência exclusiva para deliberar sobre esta alteração – não cedeu um milímetro. Manteve-se indiferente – ou talvez refém do populismo, de um fundamentalismo emergente, ou de uma certa geometria parlamentar.

A identificação, o bem-estar e saúde animal, a gestão dos animais errantes e a saúde pública, bem como a sanidade animal estão profundamente interligadas entre si, requerendo uma atuação concertada, o que justifica que o seu tratamento seja assegurado por um único organismo, dotado de meios, capacidade técnica e conhecimento que permita responder às questões de forma adequada. O problema que está colocado não é de tutela e competência na DGAV – uma instituição centenária, com ampla experiência internacional – mas dos meios de que esta dispõe para responder aos desafios que lhe estão colocados.

O PCP considera que esta “amputação” de competências é mais uma manifestação evidente da opção do Governo PS em desmantelar as estruturas relacionadas com o Ministério da Agricultura, processo anteriormente iniciado com o fecho de inúmeros serviços de extensão rural e com a passagem da área das florestas para a tutela do Ambiente. Este é mais um lamentável episódio desse percurso que, deixando para trás os pequenos e médios agricultores e produtores nacionais e a agricultura familiar (cujo estatuto continua a tardar em concretizar), tornando mais difícil a sua articulação com os serviços do Estado, tornará mais frágil a agricultura nacional e a salvaguarda da saúde pública. A atitude do Governo PS de fazer ouvidos moucos ao Parlamento é mais um erro incompreensível. Para o bem de todos, seria bom, por uma vez, alterar uma receita gasta e evitar, enquanto é tempo, uma mudança errada, perpetrada contra tudo e contra todos, por pura teimosia.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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