Argélia detém opositor em clima de repressão crescente

Karim Tabbou é um dos rostos mais conhecidos do movimento de oposição e revolta pacífica que abalou o regime em 2019 e que agora regressou às ruas. Os líderes do Hirak pedem o boicote das legislativas de Junho.

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"Não" ao voto, pediu-se antes das presidenciais de 2019 nas ruas de Argel MOHAMED MESSARA/EPA

Com o aproximar das eleições legislativas marcadas para Junho na Argélia, os sinais do reforço da repressão não param de se suceder. Um dia depois de terem impedido os estudantes de se manifestarem em Argel, pela primeira vez desde o regresso das marchas do Hirak, em Fevereiro (segundo aniversário do início dos protestos), as autoridades detiveram Karim Tabbou, uma das figuras mais importante do movimento de contestação.

Tabbou, líder de um partido político não reconhecido (a União Democrática e Social), é um rosto muito conhecido dos argelinos desde que a ajudou a lançar os protestos que se tornaram num contra-poder aos militares, forçando-os a deixar cair Abdelaziz Bouteflika, em 2019.

O opositor foi colocado sob custódia policial na quarta-feira à noite e deve ser ouvido ainda esta quinta-feira por procuradores – só se sabe que vai responder a uma queixa de Bouzid Lahari, presidente do Conselho Nacional dos Direitos Humanos, um organismo oficial.

Mesmo antes de ser detido, Tabbou voltou a apelar ao boicote às legislativas. “Estas eleições não nos dizem respeito”, afirmou, ouvido pela agência de notícias AFP. “O regime mobilizou recursos colossais para organizar umas eleições presidenciais falsas, um referendo falso – e agora organiza umas eleições legislativas falsas”, acusou.

As presidenciais de Dezembro de 2019 serviram para eleger Abdelmadjid Tebboune, antigo ministro de Bouteflika e próximo do chefe do Exército, o general Ahmed Gaid Salah, que impôs as regras da transição. Boicotadas pelo Hirak, as eleições tiveram oficialmente menos de 40% de participação.

Seguiu-se, um ano depois, o referendo constitucional que introduziu algumas mudanças, como a imposição de um limite de dois mandatos de cinco anos na presidência, mas que deixou quase intacto o regime presidencialista.

Depois de ter suspendido as manifestações de rua por causa da pandemia de covid-19, o movimento pró-democracia regressou aos protestos em Fevereiro, reunindo milhares de estudantes. Desde então, voltaram as detenções e as perseguições: no início de Abril, oito pessoas acusadas de ligações ao Hirak foram presas por um suposto crime de financiamento estrangeiro e têm-se sucedido buscas em casas de militantes do movimento. Os protestos de terça-feira na capital argelina terminaram com dezenas de interpelações, com quase todos os detidos libertados em poucas horas.

Esta quinta-feira também terão de se apresentar numa esquadra o conhecido activista Kaddour Chouicha, responsável da Liga Argelina de Direitos Humanos, e a sua mulher, Jamila Loukil, ambos detidos brevemente na quarta-feira quando saíam do tribunal onde um outro processo que enfrentam foi adiado, em Oran, a cidade portuária que é a segunda mais importante da Argélia, depois da capital.

Num comunicado divulgado no mesmo dia, a Liga exprimiu a sua preocupação face à “escalada de repressão que visa todas as vozes da oposição e do Hirak”, pedindo ao poder que “pare imediatamente com o assédio e as prisões arbitrárias de militares pacíficos, do Hirak, da sociedade civil e de jornalistas”.

Tabbou, que esteve preso entre Setembro de 2019 e Junho de 2020, e foi depois condenado a um ano de pena suspensa por “minar a segurança do Estado”, garantiu à AFP que o regime não vai conseguir travar a contestação. “A juventude argelina está determinar a lutar pelo seu direito a uma vida digna”, afirmou o opositor, de 47 anos, garantindo ainda que o seu partido é agora “o maior partido político” do país do Magrebe, apesar de continuar sem ser registado.

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