Judicatura e exaustão profissional

A incidência de exaustão emocional e/ou física e a depressão clínica, associadas à pressão laboral e ao excesso de trabalho, são realidades que existem entre os magistrados e que precisam de, sem preconceitos e frontalmente, ser diagnosticadas.

A Justiça realizada em nome do Povo num Estado de Direito Democrático é administrada pelo Povo: ou seja, por cidadãos que, antes de magistrados, são seres humanos, fruto das suas condições sociais e económicas, inseridos num sistema comunitário que fornece o contexto em que a função jurisdicional é materializada.

Seres humanos que não diferem dos demais, apenas estão habilitados para, profissionalmente e de acordo com o quadro legal vigente, conferirem um desfecho, apresentarem uma solução, para os litígios sociais em fim de linha – aqueles para os quais a sociedade não pôde ou não quis dirimir através das dinâmicas quotidianas.

Seres que não escapam à sua contingente humanidade e a quem, por isso mesmo, não pode ser exigido mais do que a qualquer outro cidadão.

Para que fique claro: devemos, enquanto cidadãos, exigir que os magistrados exerçam com denodo, competência e independência as funções de soberania em que foram investidos. Mas já não é humanamente razoável, nem tão pouco desejável, que exijamos que sejam seres que nunca erram e que superam, num esforço utópico, a sua condição prévia e fundante: a de pessoas.

É, por isso, urgente enfatizar que qualquer função de soberania não é concretizada senão através de pessoas e quanto melhores as condições do seu exercício, tanto melhor serão os resultados; e melhores resultados beneficiarão toda a comunidade.

Para resultados melhores, há que garantir que os cidadãos que têm de resolver os litígios judiciais são tratados com dignidade dentro do sistema. O que necessariamente passa por lhes serem reconhecidos direitos profissionais, entre os quais o direito à saúde e sua proteção no exercício de funções – ao invés de serem vistos apenas como “uma peça na engrenagem” na fábrica de produzir decisões jurisdicionais.

Constatando que a concretização do direito à saúde no exercício funcional não tem sido plenamente salvaguardada, a AJP – Associação das Juízas Portuguesas está consciente de que a incidência de exaustão emocional e/ou física e a depressão clínica, associadas à pressão laboral e ao excesso de trabalho, são realidades que existem e que precisam de, sem preconceitos e frontalmente, ser diagnosticadas.

Acresce que a premência da temática é reconhecida como prioritária em termos globais, tendo a Organização Mundial da Saúde instituído o dia 10 de Outubro como o Dia da Saúde Mental, alertando assim para os vários problemas enquadráveis no conceito, os quais afetam milhões de pessoas e incapacitam cada vez mais a fruição de uma vida plena, procurando despertar as sensibilidades, eliminar preconceitos e suscitar reflexão sobre o bem estar psíquico.

A fim de realizar um rigoroso diagnóstico da realidade, a AJP promoveu, em estreita colaboração com Mauro Paulino, Coordenador da Mind – Instituto de Psicologia Clínica e Forense, e com Sandra Neves, Médica Especialista em Psiquiatria no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, um estudo cujo objetivo é avaliar os níveis de stress, burnout e outros sintomas psicopatológicos na magistratura judicial, suas condicionantes e reflexos não só nos cidadãos que exercem as funções em apreço, mas também no desenvolvimento da sua atividade profissional.

Para o efeito, aqueles especialistas disponibilizaram um questionário que integra protocolo de avaliação especificamente organizado e que oportunamente foi divulgado junto dos magistrados judiciais pelo Conselho Superior da Magistratura – aguardando-se que o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais proceda de igual modo.

Com o referido estudo, pretendem a AJP e os investigadores mencionados obter o retrato mais aproximado da realidade de modo a, sob critérios de rigor e segurança científicos, alcançar um diagnóstico que posteriormente permita sugerir e implementar medidas de melhoria das condições profissionais dos magistrados, beneficiando assim o sistema de administração de Justiça, com vantagem para todos os cidadãos.

Espera ainda a AJP, enquanto associação de intervenção cívica, que esta iniciativa contribua para a desconstrução dos estereótipos e preconceitos sociais que teimam em estigmatizar a saúde mental e as patologias associadas, promovendo a normalização dos diagnóstico e tratamento deste flagelo que a tantos aflige.

Sugerir correcção
Ler 2 comentários