Primeira-ministra da Irlanda do Norte anuncia demissão

Críticas internas à gestão do “Brexit” aceleraram saída de cena de Arlene Foster, que também renuncia ao cargo de líder do Partido Unionista Democrático.

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Foster sai de cena cinco anos depois de ter chegado à chefia do governo norte-irlandês Clodagh Kilcoyne/Reuters

A primeira-ministra da Irlanda do Norte e líder do Partido Unionista Democrático (DUP) apresentou esta quarta-feira a demissão dos dois cargos. Arlene Foster enfrentava há várias semanas duras críticas dentro do partido ultraconservador, particularmente por causa da forma como geriu os desafios causados pela entrada em vigor, no início do ano, do novo sistema regulatório e comercial pós-“Brexit” na ilha irlandesa.

Entre deputados nacionais e locais, mais de 20 dirigentes do DUP assinaram na terça-feira uma carta a exigir o agendamento de uma moção de desconfiança à liderança do partido.

Foster optou, então, por sair pelo seu próprio pé, dizendo que “servir a população” da Irlanda do Norte e representar o círculo eleitoral de Fermanagh e South Tyrone foi um “privilégio de uma vida”.

Manter-se-á, no entanto, no cargo de líder do DUP até ao próximo dia 28 de Maio e na chefia do executivo de partilha de poder (com os nacionalistas republicanos do Sinn Féin) até ao final de Junho.

Arlene Foster tinha chegado à liderança do DUP em Dezembro de 2015 e do governo norte-irlandês no mês seguinte. 

Nas últimas semanas assistiu na primeira fila ao regresso dos motins e da violência sectária no território, muito por causa das disrupções causadas pelo protocolo irlandês, o documento anexo ao acordo de saída do Reino Unido da União Europeia que determina que a Irlanda do Norte (parte integrante do Reino Unido) se mantém alinhada com as regras do mercado único da UE.

Negociado e ratificado entre Bruxelas e Londres para evitar o regresso de uma fronteira física entre a Irlanda do Norte e a vizinha República da Irlanda (Estado membro da UE), o protocolo cria uma “fronteira” aduaneira ao longo do Mar da Irlanda e controlos nos portos norte-irlandeses, cujos procedimentos têm provocado atrasos, aumento de preços e até escassez de alguns produtos na Irlanda do Norte, oriundos do restante território britânico.

Foster e o DUP (pró-“Brexit”) sentem-se “traídos” pelo Governo de Boris Johnson, que lhes prometeu que a Irlanda do Norte se iria manter alinhada com a união aduaneira do Reino Unido, e defendem que o protocolo deve ser “eliminado”.

A falta de avanços neste processo e a aparente incapacidade de Foster para o chefiar terão precipitado o fim da sua liderança, a poucos dias das celebrações do centenário da criação da Irlanda do Norte (3 de Maio de 1921).

As crises e o exemplo para as mulheres

Para além do processo divisivo e desordeiro do “Brexit” – durante o qual até desempenhou um papel de grande importância, quando Theresa May era primeira-ministra do Reino Unido e precisava do DUP para ter maioria parlamentar em Londres –, Foster teve de lidar com outras grandes crises nos últimos cinco anos.

Um escândalo político-financeiro relacionado com a gestão de um programa de energia renovável levou à queda do governo em 2017 e à suspensão do parlamento (Stormont) durante três anos, e a chegada da covid-19 impossibilitou o planeamento ou a implementação de quaisquer planos de futuro no território britânico.

Em comunicado, a dirigente unionista sublinhou, ainda assim, a importância da sua chegada ao topo da política da Irlanda do Norte para a mudança de mentalidades em relação às lideranças femininas, mesmo lamentando os constantes ataques que ela sofreu ao entrar na vida pública.

“A minha eleição como líder do Partido Unionista Democrático derrubou preconceitos e estou satisfeita por ter inspirado outras mulheres a ingressarem na política e a candidatarem-se a cargos públicos”, afirmou Foster.

“Tenho noção das críticas misóginas que as figuras públicas femininas têm de enfrentar e, infelizmente, é a realidade para todas as mulheres na vida pública. Mas quero encorajá-las a continuarem e a não deixarem que o linchamento online das multidões as deite abaixo”, acrescentou, numa mensagem publicada nas redes sociais.

O DUP deve agora organizar eleições internas para escolher um novo líder que, por representar o partido mais votado nas últimas eleições de 2017, tem direito ao cargo de primeiro-ministro – nos termos do sistema de partilha de poder criado pelos Acordos de Sexta-Feira Santa (1998), que puseram fim a 30 anos de guerra civil entre protestantes unionistas e republicanos católicos.

Segundo a BBC, os principais candidatos são o actual ministro da Agricultura, Edwin Poots, e os deputados Jeffrey Donaldson e Gavin Robinson.

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