Birmânia: rebeldes de Karen dizem ter capturado base militar junto à Tailândia

Diferentes facções étnicas tinham avisado que não podiam continuar a ignorar a brutalidade do Exército. Grupos de jovens afirmam estar em treino para combater pela revolução.

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Recrutas de uma nova força recebem treino militar no estado de Karen Reuters

Um dos mais importantes grupos armados étnicos da Birmânia afirmou ter conquistado uma base militar junto à fronteira com a Tailândia. Os confrontos desta terça-feira, no estado de Karen, estarão entre os mais intensos desde o golpe militar de 1 de Fevereiro e acontecem um mês depois de facções armadas de diferentes etnias terem anunciado o seu apoio aos manifestantes pacíficos, avisando que não ficariam quietas face à brutal repressão e às mortes de civis às mãos do Exército.

O ataque à base foi reivindicado pela União Nacional Karen, que controla o estado com o nome da etnia. No início de Abril, os militares birmaneses bombardearam vários alvos da região, provocando a fuga de mais de 24 mil pessoas, enquanto as operações do Exército aumentavam também nos estados de Kayim, Kachim, Shan e Bago – ao todo, mais de 40 mil pessoas foram deslocadas pelo reacender destes conflitos.

Um dos responsáveis da União Nacional Karen, Padoh Saw Taw Nee, disse à Reuters que o grupo ainda está a determinar o número de mortos e feridos na operação. O movimento diz que houve combates noutros locais, mas não adianta pormenores.

Testemunhas nas proximidades disseram à agência AFP que há muitos residentes a fugir das suas casas, temendo a retaliação do Exército. “Ninguém se atreve a ficar… fugiram cedo de manhã, assim que os confrontos começaram”, descreve Hkara, membro da etnia karen, numa localidade já dentro da Tailândia.

Mais de 750 pessoas já foram mortas pelas forças de segurança, incluindo dezenas de crianças, desde que os militares derrubaram o Governo eleito do partido de Aung San Suu Kyi, vencedora do Prémio Nobel da Paz de 1991 e líder birmanesa de facto, a Liga Nacional para a Democracia. Pelo menos 3441 birmaneses foram detidos, segundo os dados da Associação de Assistência Presos a Políticos da Birmânia. Entre os detidos estão Suu Kyi e muitos dos dirigentes civis do país.

Lei e ordem ainda são prioridades

Um dia depois de o chefe da junta militar, Min Aung Hlaing, ter afirmado concordar com um plano regional para pôr fim à violência e iniciar um diálogo, o diário Global New Light, próximo do Exército, diz que a Birmânia informou os dirigentes da ASEAN (Associação de Nações do Sudeste Asiático) na cimeira de Jacarta que vai considerar “cuidadosamente” as suas sugestões mas só “quando a situação regressar à estabilidade” – por agora, a prioridade é manter a lei e a ordem.

A cimeira da ASEAN foi o primeiro esforço internacional concertado para tentar encontrar uma resolução para a crise, mas grupos de defesa dos direitos humanos já tinham criticado o tom vago do comunicado final, onde faltavam medidas específicas e não havia qualquer referência à libertação dos presos políticos.

As mortes e as detenções têm continuado, com ou sem protestos. Pelo menos um homem foi morto por soldados na segunda-feira à noite em Mandalay, a segunda maior cidade do país, enquanto uma mulher foi morta em Dawei, no Sudeste, escrevem media independentes locais. Nas últimas semanas multiplicaram-se o número de situações em que os militares matam pessoas que estão simplesmente na rua ou até dentro das suas casas.

Jovens em treino militar

Para além de ter levado ao reacender de conflitos étnicos com décadas e do aviso dos grupos armados que habitualmente lutam por mais autonomia, a violência desmesurada do Exército face a civis desarmados está a levar grupos de jovens a organizarem-se e a tentar obter treino militar para enfrentar a junta. A Reuters falou com a fundadora de um destes grupos, Mon Mon, que diz ter 250 pessoas (incluindo 20 mulheres) a treinar numa zona controlada pela União Karen, de um total de mil que a sua organização reúne.

“Estamos aqui para participar em treinos militares durante três meses e todos temos um objectivo, a revolução”, afirma Mon Mon, citada pela agência. “A maioria são estudantes, com cerca de 20 anos. Alguns são adultos, de 35 ou 40 anos”, acrescentou.

A alta-comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, já disse temer que o conflito na Birmânia venha a ganhar uma dimensão semelhante ao da Síria, onde protestos pró-democracia pacíficos violentamente reprimidos pelo regime deram origem a uma guerra civil, exacerbada pelo apoio de uma série de países a vários grupos e pelo aproveitamento que os jihadistas fizeram do caos em algumas regiões. Bachelet pede ao mundo que não se repitam os mesmos “erros fatais”.

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