“As reuniões virtuais ocuparam o tempo do pensamento inovador”

Sobreviver às reuniões tornou-se um objectivo em si mesmo, constata o autor de Liderar sem Autoridade, cuja edição portuguesa chegou ao mercado.

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Keith Ferrazzi DR

O mundo está cheio de oportunidades. E de gente cansada e insatisfeita. “É uma dicotomia dickensiana – o melhor e o pior dos tempos”, escreve Keith Ferrazzi logo no arranque do seu último livro, Liderar sem Autoridade – e fazer a diferença, que co-assina com Noel Weyrich.

Estreada em 2017, esta obra conhece agora uma edição portuguesa, editada em Março, pela chancela Actual.

O digital instalou entre nós a sensação de que o poder e a autoridade estão mais difusos. No mundo do trabalho, isso implica novas competências, defende Ferrazzi. Quando as empresas derrubam silos, as cadeias de comando deixam de ser nítidas e temos de mudar a forma de trabalhar.

Liderar sem Autoridade, o título do livro, é baseado no modelo da co-elevação. Que conceito é esse?
É uma dinâmica de relacionamento em que duas ou mais pessoas formam uma ligação baseada na troca mútua de valor. Cada pessoa compromete-se com o sucesso dos outros, em vez de estar apenas focada no próprio sucesso. Co-elevação significa “ir mais além, juntos”.

É uma dinâmica de grupo muito distinta daquela que se pratica na maior parte das empresas, onde o foco é o trabalho e o sucesso individual. Se um colega está em dificuldade ou um departamento está longe dos objectivos, isso é visto como problema deles.

Com a co-elevação, ninguém ganha até que todos cortem a meta. A equipa não ganha enquanto houver alguém a ficar para trás.

Mas o que significa liderar sem autoridade?
Escrevi um livro inteiro sobre esse tema porque a capacidade de liderar sem autoridade se está a transformar na mais valiosa competência que qualquer pessoa pode ter no local de trabalho. Liderar sem autoridade significa que cada pessoa parte do princípio de que “tudo depende de mim” [“it’s all on me”]. Claro que isso não significa que elas estão sozinhas num projecto. Pelo contrário, significa aderir a uma mudança de mentalidade. Cada pessoa nomeia-se líder. Esta mudança gera resultados mais rapidamente. E fomenta a construção de equipas.

Os empregadores têm de tomar a iniciativa, porque toda a transformação está nas mãos de equipas multifuncionais em que a autoridade está de tal forma dispersa que torna a liderança sem autoridade uma competência indispensável.

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Keith Ferrazzi DR

Como damos início a esse processo de co-elevação?
Cada um deve conhecer os colegas e fazer um esforço para construir relações que os liguem aos pares de uma forma mais profunda. Isso vai autorizá-los a assumirem a liderança.

Exemplifico com dois mecanismos básicos que podem ser usados nas reuniões: o agridoce – um momento em que partilhamos um detalhe “doce” pelo qual estamos gratos e uma coisa amarga que nos está a causar problemas no plano profissional ou pessoal; e a verificação pessoal profissional – uma partilha mais profunda em que cada membro da equipa fala de forma franca sobre as questões com que tem de lidar em casa ou no trabalho, coisas que os restantes poderão desconhecer. Esta vulnerabilidade ajuda a unir a equipa, seja qual for a distância física que a separe.

O que diria a quem insiste que trabalha melhor sozinho?
Há muitas funções que requerem trabalho isolado, em sossego. Porém, para verdadeiramente ter impacto em grande escala, ou conduzir a mudança, temos de colaborar. Grandes pensadores ou as mentes mais brilhantes nos negócios são co-criadores.

Como se pode vestir o manto de líder quando isso não faz parte das funções ou do cargo?
Quem quiser fazer isto tem de reclamar primeiro a total responsabilidade sobre a sua capacidade de liderar, aceitando que ninguém precisa de autorizar que ela lidere. Todos somos líderes.

Quem não está numa posição de liderança, mas quer estar, pode suscitar a mudança numa equipa ou numa organização estabelecendo relações de co-elevação.

Faça a pergunta: “Quem está na minha equipa?”, para identificar as relações-chave que têm de ser criadas para impulsionar os planos de trabalho que tem. Depois, foque-se em construir ligações com valor de troca mútuo. Comprometa-se em ter um impacto positivo no trabalho de outras pessoas sem a necessidade de exigir algo em troca.

Quando estas ligações se formam onde há confiança e respeito, então qualquer pessoa, independentemente do seu título, ganha permissão para liderar.

Como podemos aplicar a co-elevação quando se trabalha remotamente?
O ano de 2020 ensinou-nos muito sobre colaboração virtual em equipas. As nossas pesquisas mostram que demasiadas equipas tiveram desempenhos muito pobres em termos de colaboração remota e, por isso, agora estão a pensar em regressar às soluções antigas, que já não funcionavam antes.

Porém, a pandemia foi um ponto de inflexão em que muitas empresas finalmente decidiram rever sistemas de gestão antigos. Infelizmente, a maioria apenas transferiu as práticas habituais das reuniões físicas para as reuniões virtuais.

No treino de executivos que fazemos na Ferrazzi Greenlight concluímos que as reuniões simplesmente ocuparam o tempo e o espaço que deveria ser do pensamento inovador. “Sobreviver às reuniões” é um objectivo em si mesmo.

A comunicação virtual é diferente, e quando usada de forma eficiente, pode formar laços mais profundos.

Em equipa, o recurso à colaboração assíncrona usando email, Google, Slack, Teamwork e outros, deve ser o primeiro método de colaboração. Agendar reuniões só quando for impossível a comunicação assíncrona, que é uma comunicação aberta; todos contribuem, podem ver o feedback e questionar com franqueza. As decisões ficam gravadas e arquivadas. Com um vasto leque de aplicações, como painéis de discussão, voto sim/não ou ferramentas de recolha de feedback, este tipo de trabalho remoto pode decorrer de forma veloz e em grande escala em toda a organização.

Seremos capazes de construir relações duradouras em teletrabalho?
A maioria das pessoas pensa que as reuniões físicas têm uma química social que desaparecerá com a colaboração assíncrona e a comunicação virtual.

Mas as nossas pesquisas, ao longo de 20 anos, mostram que 74% dos membros de uma equipa não dão a sua opinião com coragem e franqueza nas reuniões presenciais. Fazem isso para evitar conflitos. Mas isso também não promove o pensamento audaz que gera inovação.

Recorrer a estratégias como o agridoce, ou mesmo à função Zoom breakout, é básico mas eficiente para qualquer líder que procure comunicação com autenticidade. As pessoas tendem a falar de forma mais corajosa em pequenos grupos, porque a segurança psicológica aumenta.

Também vimos, demasiadas vezes, que grandes debates sobre inovação de processos ou na identificação de novos mercados se transformam num monólogo, em que os líderes perguntam e respondem a todas as questões. O papel do líder é fazer perguntas inteligentes e partir a equipa em grupos mais pequenos para assim poder ouvir todas as vozes.

O espaço de trabalho está em transformação? Como vê o futuro?
Estou optimista. A pandemia foi um ponto de inflexão. Tantas empresas estavam desesperadas por uma oportunidade para rever a gestão. A covid-19 acelerou esse processo.

Com as câmaras ligadas, o novo ambiente virtual de trabalho tem o potencial de unir ainda mais as pessoas, muito mais do que qualquer sala de reuniões alguma vez poderia. Podemos ver o interior da casa de cada um, e somos capazes de trazer o nosso eu autêntico para o trabalho.

Temos de usar esta oportunidade para criar novas normas sociais no trabalho, mais produtivas. Este é o momento para os líderes terem reuniões virtuais com as equipas confinadas em casa e perguntar-lhes: “Que comportamentos e práticas recentes devemos reconfigurar?”

Em Março do ano passado, estabelecemos uma parceria com a escola de negócios de Harvard para lançar o instituto de pesquisa Go Forward to Work, dedicado a desenvolver pesquisa sobre o futuro do trabalho. As conclusões estarão no meu próximo livro (Competing in a New World of Work: How Radical Adaptability Separates the Best from the Rest), que será publicado pela Harvard Press no Outono.

Reúne as conclusões do que temos recolhido em empresas como a Delta, a GM e a Uber, a par das lições e das ideias de respeitados especialistas em gestão de negócios ou de gestores de topo. Tem também histórias que mostram equipas de alto rendimento e as suas boas práticas. Explora ainda as prioridades actuais dos líderes empresariais que são: 1) Prever; 2) Incluir; 3) Agilidade; 4) Resiliência.

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