Vacinas e patentes: realidades (in)compatíveis?

A fabricação massiva da vacina é um grande desafio da indústria farmacêutica e dos próprios Estados, que deviam fazer acordos entre si no sentido de haver colaboração entre todos os agentes económicos nessa tarefa.

A vacinação contra a covid-19 assume caráter de urgência e várias velocidades nos diferentes países do mundo, sendo o Brasil e Portugal um espelho dessa similitude.

No Brasil, até à primeira semana de abril, foram aprovadas três vacinas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) para serem utilizadas em uso emergencial: CoronaVac, desenvolvida pela farmacêutica Sinovac em parceira com o Instituto Butantan; Covishield, desenvolvida pela farmacêutica Serum Institute of India em parceria com a AstraZeneca/Universidade de Oxford/Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz); e Janssen COVID19 Vaccine, desenvolvida pela farmacêutica Janssen-Cilag. Segundo o Ministério da Saúde, o Brasil teve 340.776 mortes por coronavírus até à primeira semana de abril, havendo 13.193.205 de casos confirmados. Nesse mesmo período, apenas 23.776.730 doses de vacinas foram aplicadas na população, aproximadamente 10% da população.

Já em Portugal, até à primeira semana de abril, foram aprovadas pela Agência Europeia dos Medicamentos (EMA, na sigla inglesa) quatro vacinas contra a covid-19: Pfizer/BioNTechdesenvolvida pela BioNTech, pela Fosun Pharma e pela Pfizer; AstraZeneca, desenvolvida pela farmacêutica AstraZeneca, em parceria com a Universidade de Oxford; Moderna, desenvolvida pela farmacêutica Moderna em parceria com o Instituo Nacional de Alergia e Doenças Infeciosas; e Janssen, desenvolvida pela subsidiária europeia da farmacêutica Johnson & Johnson. Segundo o Ministério da Saúde, foram confirmados em Portugal 825.633 novos casos, dos quais resultaram 16.899 óbitos no mesmo período (1.ª semana de abril), sendo que já haviam sido administradas 2.069.293 vacinas, o que representa 14,36% da população.

A este propósito da vacinação e das patentes da covid, muito se discute sobre o exclusivo de exploração conferido pelo direito de patente e possíveis soluções para ultrapassar essa exclusividade, tais como a suspensão do direito de patente ou a atribuição de licenças compulsórias ao Estado.

Importa assinalar que o direito de patente tem um prazo de duração de 20 anos desde a data do seu pedido, conferindo ao seu titular, durante esse período, o exclusivo da sua comercialização. Quer no Brasil, quer em Portugal, a possibilidade de licença compulsória de uma patente está prevista na lei e não afeta a titularidade da patente, pois é assegurada uma remuneração ao titular pela outorga mandatória dessa licença, que é não exclusiva. Muitos utilizam a expressão “quebra de patentes” para se referir à licença compulsória, mas o termo não é apropriado, pois, na realidade, os direitos do titular da patente são preservados; há apenas uma licença obrigatória e limitada para fabricação e comercialização do objeto patenteado por um terceiro. É importante deixar claro que a licença compulsória constitui um instrumento de exceção e não deve ser usado como uma regra. Este tipo de intervenção radical no mercado deve ser evitado ao máximo ou outros tipos de problemas podem surgir, tais como retaliações económicas internacionais e desestimulo à inovação.

A indústria farmacêutica protege fortemente os direitos conferidos por uma patente, pois viabilizam a recuperação de seus investimentos na I&D dos medicamentos. Por esses motivos, a proteção da inovação não pode ser preterida. Deve-se encontrar outras formas de lidar com a atual crise sanitária, investindo em especialistas em propriedade industrial para agilizar o exame e obtenção do direito, bem como nas agências regulatórias responsáveis pela aprovação da produção, importação e comercialização de vacinas e medicamentos, para agilizar a sua análise. É essencial também incentivar acordos multinacionais não só para a compra de diferentes imunizantes e matéria prima, mas também para a transferência de tecnologia para a fabricação local da vacina.

Na nossa opinião, a fabricação massiva da vacina é um grande desafio da indústria farmacêutica e dos próprios Estados, nas pessoas dos seus governantes, que deviam fazer acordos entre si no sentido de haver colaboração entre todos os agentes económicos nessa tarefa. A definição da logística da própria vacinação, para garantir a imunização da população num curto espaço de tempo, também não pode ser ignorada.

As autoras escrevem segundo o novo acordo ortográfico

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