A física quântica que rege um like

As redes sociais não seriam redes sociais sem o like, essa força motriz de todas as vontades da nossa espécie.

Quando trazemos na algibeira alguma experiência sobre uma determinada área, temos a obrigação moral de a partilhar com o mundo. Evidentemente, nos dias que correm, somos todos especialistas de alguma coisa e de tudo em simultâneo. E, como tal, e para me distanciar de todos os cronistas deste país, não venho hoje expôr a minha vasta sabedoria sobre política, economia, medicina, políticas de saúde, futebol ou astrofísica. Esses temas menores ficam para depois. Até porque há lá tema de maior premência do que essa ferramenta extraordinária, essa extensão do comportamento humano que é a vida nas redes sociais.

Que as redes sociais são o verdadeiro barómetro de tudo o que compõe a paisagem do que significa ser bicho humano neste planeta, já não é notícia em lugar algum. Extraterrestres serão os que não sabem o que é um scroll, o que é fazer uma coreografia minimalista de trinta segundos ou dar uma opinião-expresso sobre a parcamente investigada temática da sobrepesca nas águas neo-zelandesas, polvilhada com um “de coisas importantes é que ninguém fala”. O que está a dar é o activismo que só vive nas stories, as críticas que podiam todas começar com o prefixo “isto se eu mandasse fazia-se assim” e os lugares-comuns repetidos à exaustão mascarados de um “ai que original que eu sou”.

Mas redes sociais não seriam redes sociais sem o like, essa força motriz de todas as vontades da nossa espécie. Não fossem os likes¸e as redes sociais tinham um décimo das publicações. Os nossos receptores de serotonina não estariam estimulados ao máximo para receber essa pitada de açúcar na língua, quais piriquitos bem amestrados, e não estaríamos a actualizar, minuto após minuto, o nosso contador de likes. Mas o like, esse ditador, raramente nos quer dizer que alguém gosta do que mostrámos ou dissémos. Há todo um dicionário que podia ser escrito graças ao sub-texto.

Proponho um exercício: conseguiremos discernir quantos dos likes que fazemos são, na verdade, um “olha que fotografia tão bela, gosto ao ponto de quase a querer pendurar na parede da sala de jantar"? Assim, o que dizem todos os nossos outros likes? Decerto que não estamos a elogiar o enquadramento da fotografia da miúda que decidiu privilegiar os seus glúteos exageradamente torneados – estamos antes a acalentar a esperança apatetada de que aquele like em particular, de entre outros trezentos e setenta mil, nos habilite a receber um convite para jantar dentro de quarenta e cinco minutos. E o like que deixamos na publicação revoltada da pessoa com quem concordamos, serve apenas para nos descansar a consciência, numa mentira descarada de que, se já entregámos um like, o nosso trabalho pela causa está feito e o mundo real já não precisa de nós para nada. Já para não falar dos likes que fazemos apenas para dizer um silencioso «isto é só para te lembrares de que sou da tua equipa, por isso nunca me deixes ser irrelevante para ti, POR FAVOR!»

Posto isto, da próxima vez que o distinto leitor actualizar a sua lista de trinta e sete likes, faça a engenharia invertida do porquê dos likes de determinada pessoa. A Susana dos tempos da preparatória gosta mesmo do lugar onde fui passar férias ou estar a dar a dica dissimulada de que adoraria embarcar numa loucura indizível num país estrangeiro? O Óscar, que é o gajo mais popular do escritório, está a gostar do meu corpanzil de ginásio ou está, na verdade, a dizer-me que está atento à minha vida pós-laboral e que, mesmo assim, nunca serei uma ameaça ao seu sucesso social diário junto à máquina do café? O meu chefe gosta mesmo do desenho que fiz com o meu afilhado ou está, na verdade, a lembrar-me de que o relatório contabilístico de Março ainda não foi entregue? E o que dirão de nós próprios os likes feitos pelas pessoas que nos seguem e das quais não gostamos?

Perguntas sem resposta, que provavelmente nem dela carecem. E, visto que uma crónica deste tamanho nunca se pode dispôr a oferecer soluções, a única opção viável é mesmo a de mostrar isto a todos os amigos e ver se rende um punhado de likes, quanto mais não seja para passarmos algum tempo a tentar adivinhar o significado de cada um deles.

Sugerir correcção
Ler 3 comentários