Cavaco cita o seu próprio livro para responder a inquérito ao Novo Banco

O ex-Presidente da República foi questionado no âmbito da comissão de inquérito ao Novo Banco. O Bloco tinha perguntas concretas sobre financiamento das campanhas eleitorais.

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Cavaco Silva, Presidente da República entre 2006 e 2016 Nuno Ferreira Santos

O antigo Presidente da República Cavaco Silva respondeu à comissão de inquérito ao Novo Banco recorrendo a transcrições do seu livro Quinta-feira e Outros Dias e recordando que o Chefe de Estado não “exerce qualquer função” no sistema financeiro.

Nas respostas “ao grupo de questões relacionadas com a crise do BES", a que a agência Lusa teve acesso, Cavaco Silva começa por referir que “o Presidente da República, nos termos da Constituição, não possui poder executivo nem exerce qualquer função no âmbito do sistema financeiro” e que “sendo um órgão unipessoal, não dispõe de serviços que lhe permitam recolher e processar informação “motu proprio"”.

“O que foi por mim referido sobre o assunto no exercício da minha actividade como Presidente da República e que então considerei relevante e que, passados mais de seis anos, posso transmitir a essa comissão de inquérito com o rigor que se exige a um ex-Presidente da República, consta do 2.º volume do livro Quinta-feira e Outros Dias (Porto Editora, 2018) e que seguidamente transcrevo”, pode ler-se ainda.

Num documento com oito páginas nas quais responde conjuntamente às perguntas feitas pelo BE, PS e PAN no âmbito da Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar às perdas registadas pelo Novo Banco e imputadas ao Fundo de Resolução, Cavaco Silva esclarece que, durante os mandatos como Presidente da República, adoptou “a prática de receber os presidentes dos Conselhos de Administração dos bancos que pedissem audiência”.

“E do que relevante ouvia dava conhecimento ao primeiro-ministro na reunião de quinta-feira seguinte. Da mesma forma procedi em relação ao Governador do Banco de Portugal”, garante.

Assim, na sua resposta Aníbal Cavaco Silva aborda, com recurso a passagens do seu livro, temas como a entrada de Vítor Bento para a presidência do Banco Espírito Santo (BES), a sua preocupação com a exposição do Grupo Espírito Santo (GES) ao BES, as declarações aos jornalistas acerca do GES, a exposição do banco ao BES Angola (BESA) e contactos com Luanda, a preocupação com a resolução do BES, a recondução de Carlos Costa como governador do Banco de Portugal, em 2015, ou o financiamento das suas campanhas eleitorais.

O PS requereu, em 25 de Março, os depoimentos por escrito do antigo Presidente da República Cavaco Silva, dos ex-primeiros-ministros Durão Barroso e Passos Coelho e a audição presencial do ex-comissário europeu Carlos Moedas na comissão de inquérito do Novo Banco, inquirição esta que já aconteceu.

O anúncio foi feito no Parlamento pelo coordenador do PS nesta comissão de inquérito, João Paulo Correia, um dia depois da audição de José Honório, ex-administrador do BES e Novo Banco, que segundo o socialista revelou que o antigo presidente do BES Ricardo Salgado entregou, em 2014, um memorando a cada uma das autoridades políticas em que dava conta do “buraco gigante em que estava enfiado o GES”.

Para o PS, há responsabilidades que “não estão suficientemente esclarecidas por parte destas autoridades políticas”.

Respostas sobre campanhas eleitorais

O antigo Presidente da República Cavaco Silva recorreu a passagens do mesmo livro para reiterar que nunca pediu dinheiro para campanhas eleitorais, assegurando o rigor das contas, segundo uma resposta à comissão de inquérito ao Novo Banco.

“Sempre tive uma forte aversão a pedir dinheiro para campanhas eleitorais. Nunca o fiz ao longo da minha vida política. A independência do Presidente da República em relação aos partidos, um dos meus princípios políticos básicos, exige que não dependa de nenhuma força partidária para financiamento da eleição”, refere Cavaco Silva no seu livro.

No dia 7 de Abril, o BE divulgou o conjunto de perguntas enviadas a Cavaco Silva, pretendendo que esclarecesse em que informações se baseou para falar, em 2014, da “estabilidade e solidez” do sistema bancário português, e ainda se “recebeu donativos” do BES ou do GES.

Os bloquistas perguntaram se “recebeu donativos de membros de órgãos de administração do BES ou do GES”, questionando quem foram os financiadores, qual a data e o montante dos respectivos donativos.

De acordo com a citação do livro de Cavaco Silva hoje recuperada, em 2006 Eduardo Catroga, Ricardo Bayão Horta e José Falcão e Cunha “encarregaram-se do problema do financiamento da campanha no estrito cumprimento da lei e sem qualquer recurso a fontes partidárias”. De acordo com o antigo Chefe de Estado, na recandidatura a Belém em 2011 Eduardo Catroga e Ricardo Bayão Horta voltaram às mesmas funções.

“José António da Ponte Zeferino, como meu mandatário financeiro, garantiu o rigor das contas”, cita Cavaco Silva, e “Vasco Valdez, que tinha sido secretário de Estado dos Assuntos Fiscais” no seu Governo, “assegurou o rigor das contas da campanha como mandatário financeiro”.

Cavaco Silva refere ainda ter em sua posse o acórdão do Tribunal Constitucional 98/2016, de 16 de Fevereiro de 2014, “sobre os autos de apreciação das contas da campanha eleitoral para as eleições presidenciais realizadas a 23 de Janeiro de 2011”.

“Acrescento, contudo, que as contas das minhas campanhas eleitorais relativas à eleição para Presidente da República, apresentadas em devido tempo à Entidade das Contas e Financiamentos Políticos nos termos da legislação em vigor, estão disponíveis e podem ser consultadas pelos membros da Comissão de Inquérito”, escreveu ainda o também antigo primeiro-ministro.

Aníbal Cavaco Silva remete ainda para um comunicado da sua campanha de 2011, dando conta que “utilizou apenas 16,2% da subvenção estatal que corresponderia ao resultado eleitoral obtido”.

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