Porque não viajamos mais de comboio?

Mais do que estações, faltam interfaces de transporte. É incompreensível que cidades pouco dispersas, como Beja, tenham o terminal rodoviário e a estação de comboio em zonas distintas, por vezes a quilómetros de distância.

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PAULO PIMENTA

Quando o Governo anuncia o novo Plano Ferroviário Nacional, corre a tinta sobre linhas que faltam no mapa. Mas debater traçados pode distrair-nos das razões que, afinal, fazem de Portugal um dos países europeus onde o comboio é menos utilizado

Esta discussão é importante, quando, um pouco por todo o mundo, se assiste ao renascimento do transporte ferroviário. Na Europa, crescem os passageiros que cortam nas emissões de carbono. Os Estados Unidos lançam novos planos, enquanto a China expande aquela que já é a maior rede de linhas de alta velocidade do mundo. Desinvestir no transporte ferroviário, mais do que retirar competitividade, na indústria e nos serviços, deixa o país à margem da evolução tecnológica.

Entretanto, Portugal conseguiu reabrir oficinas de manutenção e encomendar novos comboios. Mas o dia-a-dia dos passageiros continua a trazer dores de cabeça: para atravessar a Área Metropolitana de Lisboa ou do Porto, deveria haver sempre um comboio ou um autocarro pronto a sair, cada vez que se muda de transporte, sem sobressaltos nem esperas demoradas. E para viajar pelo interior, em territórios de baixa densidade populacional, o comboio e o autocarro deveriam ser complementares: saindo da estação de comboio, um autocarro levaria à aldeia ou vila de destino, com um só bilhete de viagem.

A queixas repetem-se: é difícil mudar de meio de transporte. Faltam parques de estacionamento para deixar o automóvel e as estações de autocarros ficam longe. Quem tenha mobilidade reduzida ver-se-á praticamente afastado do transporte ferroviário, porque as viagens raramente começam e acabam em apeadeiros.

Mais do que estações, faltam interfaces de transporte. É incompreensível que cidades pouco dispersas, como Beja, tenham o terminal rodoviário e a estação de comboio em zonas distintas, por vezes a quilómetros de distância. Como seria se um só interface juntasse a estação de comboios e o terminal rodoviário, com paragens de autocarros urbanos e horários sincronizados, lojas e serviços de viagem, como o aluguer de automóveis ou bicicletas? Haveria talvez mais passageiros e também novos visitantes para impulsionar o turismo, no litoral e no interior.

Os passos seguintes, para fazer crescer o transporte ferroviário em Portugal, também terão de passar pelas políticas urbanas. Com incentivos fiscais, por exemplo, para fixar empresas e postos de trabalho nas imediações dos interfaces de transportes e contribuir para uma mobilidade mais competitiva e sustentável, menos dependente do automóvel

De todas as medidas que referi, nenhuma passa pela construção de linhas de comboio. Não significa, evidentemente, que não se devam estudar novas ligações. Para integrar vários sistemas de transporte, falta certamente ligar os aeroportos nacionais. Falta talvez ligar as cidades mais populosas no outro lado da fronteira raiana, com centenas de milhares de habitantes. Milhões de passageiros ferroviários de médio e longo curso, que passam anualmente em Sevilha, também poderão ter interesse em utilizar aeroportos portugueses. Mas antes de pensar em linhas novas, pense-se na integração noutras redes e na experiência de viagem, antes e depois da entrada no comboio.

O Plano Ferroviário Nacional é uma oportunidade para pensar estas questões e também para propor novas ideias. A recuperação da pandemia irá mostrar como Portugal depende do transporte aéreo e rodoviário para receber visitantes do resto da Europa. Mas não tem de ser assim. Com mais e melhor mobilidade, dentro e fora das fronteiras, o transporte ferroviário trará novas oportunidades, para todos os operadores de transportes. E para os visitantes que preferem viagens sustentáveis, de baixas emissões para a atmosfera, haverá novas razões para visitar Portugal.

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