Criatividade, inovação e a lista telefónica das Páginas Amarelas

A criatividade e inovação não são um exclusivo de artistas, designers ou inventores de tecnologias. São capacidades de pensar novas perguntas e avançar respostas não convencionais, também na gestão das organizações.

Em 1931, com 21 anos de idade, o mais tarde famoso economista britânico Ronald Coase viajou para os Estados Unidos com uma bolsa de estudos. O objetivo era o de, durante um ano, visitar e estudar empresas do setor industrial. Já com 80 anos, quando recebeu o Prémio Nobel da Economia, era desta forma que Coase recordava esse período: “Enquanto estive nos Estados Unidos assisti a muito poucas aulas, e embora tenha visitado várias universidades, a maior parte do meu tempo foi dedicada a visitar fábricas. (…) Também lia revistas comerciais e outras fontes de informação pouco usuais (para um economista), como a lista telefónica das Páginas Amarelas, que me fascinou porque encontrei diversas empresas especializadas a operar naquilo que se pensava ser um único setor industrial (…) O que eu estava efetivamente a fazer na América era a procurar pistas que me permitissem resolver as questões que tinha levado comigo”.

Quando falamos de criatividade e inovação, de imediato surgem associações ao design e à tecnologia, à capacidade inventiva, à originalidade, ao desenvolvimento de soluções tecnológicas para as necessidades das pessoas. Exemplos como o telemóvel e os veículos sem condutor, ou a Uber e o Netflix, são rapidamente lembrados em qualquer conversa sobre o tema. Porém, a criatividade e a inovação são capacidades que encontramos em qualquer área, de cada vez que a curiosidade, o olhar atento e a inquietude nos levam a questionar o conhecimento estabelecido.

Na época de Ronald Coase as empresas não eram estudadas. Eram vistas como uma espécie de “caixas negras” que transformavam recursos em produtos, e o mais importante era perceber como conseguir aumentar a eficiência nessa transformação. Contudo, para Coase a questão mais importante era outra: porque é que existem empresas? Esta foi uma das questões que levou consigo para os Estados Unidos. Ao fim de um ano de visitas a fábricas, muitas conversas e noites a ler as listas telefónicas das Páginas Amarelas (que hoje já não existem), começou a elaborar uma resposta à pergunta que o inquietava: as empresas existem porque usar o mecanismo do preço tem um custo. Uma atividade — como a produção de vestuário ou a sua distribuição — deve ser integrada sob a autoridade de um gestor (ou seja, deve ser organizada na empresa) sempre que tal permita menores custos que a alternativa de organizar essa atividade no mercado, por um preço que há que negociar. Esta nova teoria da empresa, a que Coase deu origem, está na base de decisões de gestão tão relevantes como aquelas de localizar determinadas atividades num território ou noutro, ou contratar os serviços de uma sociedade de advogados em vez de ter um departamento jurídico interno.

O exemplo de Ronald Coase leva-nos a concluir que criatividade e inovação não são um exclusivo de artistas, designers, ou inventores de tecnologias. São capacidades de pensar novas perguntas e avançar respostas não convencionais, também na gestão das organizações. São a curiosidade e a inquietude em ação.


Sugestão de leitura: Coase, Ronald (1988) The nature of the firm: Origin. Journal of Law, Economics, & Organization, vol. 4, nº 1, pp. 3-15.

A autora escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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