Austrália veta Rota da Seda em Victoria e agrava relações com China

Victoria era o único estado da Austrália que estava associado à controversa iniciativa chinesa de construção de infra-estruturas. A saída do acordo é uma decisão “provocatória” que merece uma resposta “firme”, diz Pequim.

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Marise Payne anunciou, na quarta-feira, a saída de Victoria da nova Rota da Seda Chinesa POOL/Reuters

O Governo federal da Austrália tornou oficial, na quarta-feira, o cancelamento de dois projectos ligados à nova Rota da Seda que estavam acordados com o estado de Victoria, uma decisão que as autoridades chinesas associam a uma “mentalidade de Guerra Fria”. A ministra dos Negócios Estrangeiros da Austrália, Marise Payne, justificou o veto de Camberra afirmando, em comunicado, que os princípios em que o acordo se baseia não coexistem com a política externa australiana.

“Actuaremos sempre segundo o interesse nacional para proteger a Austrália, mas também asseguraremos que podemos avançar o nosso interesse nacional num Indo-Pacífico livre e aberto, e num mundo que procura um equilíbrio em favor da liberdade”, reiterou esta quinta-feira o primeiro-ministro, Scott Morrison, citado pela Reuters.

A embaixada chinesa em Camberra reagiu prontamente à retirada do acordo, que considerou como “mais uma medida descabida e provocatória tomada por quem na Austrália está contra a China”. A resposta será “firme e vigorosa”, garantiu Pequim, se o Governo australiano não “corrigir imediatamente os seus erros” que se mostram assentes numa “mentalidade de Guerra Fria e preconceitos ideológicos”.

Com esta decisão, o Governo federal da Austrália pôs pela primeira vez em prática a lei que lhe permite interferir nos acordos transnacionais que são decididos por cada estado australiano individualmente, e que foi promulgada em Dezembro do ano passado.

Victoria, o segundo estado mais populoso do país, aliou-se ao projecto chinês na Rota da Seda há cerca de três anos, quando assinou um “memorando de entendimento” em que concordava com os princípios da iniciativa, passando a receber financiamento de empresas chinesas para investir nas suas infra-estruturas.

O projecto da nova Rota da Seda, conhecido como Belt and Road, é uma iniciativa controversa que envolve imvestimentos na ordem de pelo menos 900 mil milhões de euros e é vista por muitos críticos como uma forma de a China expandir o seu poder comercial por todo o mundo. Teme-se que muitos dos países não consigam depois pagar as dívidas à China, ficando subjugados às condições impostas por Pequim.

Quanto às consequências da decisão para o estado de Victoria, o seu primeiro-ministro, Daniel Andrews, já antes tinha alertado para o perigo de serem colocados em risco diversos empregos caso o acordo fosse cancelado. Contudo, um investigador da Business School da Universidade de Sydney, Hans Hendrischke, disse à Reuters que o impacto comercial acaba por ser mínimo por “não ter tido força de lei e porque não havia projectos específicos” em andamento.

Laços bilaterais agravados

Esta medida “mostra ainda que o Governo australiano não tem qualquer vontade em melhorar as relações com a China”, sublinhou a embaixada chinesa em resposta à decisão do Governo federal, segundo o jornal australiano online The New Daily, “causando mais danos às relações bilaterais”. A Austrália “só acabará por magoar-se a si própria”, avisa ainda.

As relações bilaterais entre os dois países têm vindo a deteriorar-se desde que as autoridades australianas lançaram um apelo, no ano passado, para que fosse feita uma investigação independente sobre as origens do coronavírus.

Também a proibição aplicada à empresa chinesa Huawei de fornecer equipamentos no país para as redes móveis 5G contribuiu para o aumento das tensões. Desde então, a China tem aplicado uma série de sanções a nível comercial, como o aumento das tarifas para o a importação de vinho australiano ou de carne bovina. Também os investimentos chineses na Austrália caíram 61% em 2020, segundo dados divulgados pelo jornal South China Morning Post.

O primeiro-ministro australiano, do Partido Liberal, tem sido, assumidamente, contra a iniciativa, pelo que a China se vê como o alvo da lei que foi promulgada em Dezembro. A ministra dos Negócios Estrangeiros, Marise Payne, garante que a medida “não é dirigida a nenhum país específico”.

“O governo federal australiano reviu mais de mil acordos e apenas decidiu cancelar quatro, e dois deles são acordos com a China”, sublinhou Wang Wenbin, a porta-voz do ministério dos Negócios Estrangeiros chinês.

Foram quatro acordos, todos relativos ao estado de Victoria, que o governo federal decidiu cancelar. Além dos dois que envolvem a iniciativa da nova Rota da Seda, ficou sem efeito um acordo de cooperação na área da educação feito com o Irão em 2004 e outro com a Síria, assinado em 1999, dedicado à partilha do conhecimento científico.

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