Recuperação das aprendizagens: plano ou apenas tapar o sol com a peneira?

O problema da fraca qualidade educativa já vem de longe e não tem como causa principal a recente situação pandémica mundial.

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Luís FORRA/Lusa

A escassos dias de vermos apresentado o Plano de Recuperação de Aprendizagens para 2021-2023, conforme anunciou o primeiro-ministro António Costa no início deste mês, algumas ideias vão surgindo como sendo poções mágicas para o, agora, principal problema educativo do país: as aprendizagens perdidas.

Para a elaboração do plano, o Ministério da Educação nomeou um Grupo de trabalho “independente” que, com base nos mais recentes dados aferidos pelo Instituto de Avaliação Educativa (IAVE), terá a função de encontrar toda uma panóplia de soluções para que em dois anos se recuperem as aprendizagens.

Neste sentido, o que importa dizer, sem qualquer receio, é que não é de agora que as aprendizagens têm vindo a ser perdidas. Não negando que a pandemia possa ter agravado em alguns casos as aprendizagens, não é certo nem está provado em lado nenhum que esse tenha sido o mal maior da pandemia relativamente à educação.

Quando hoje se fala, falaciosamente, de que o objetivo principal é não deixar que nenhum aluno “fique para trás”, estamos na realidade a querer desculpar o mau estado em que já se encontrava o ensino com a pandemia. É o mais fácil, mas é desonesto! O problema da fraca qualidade educativa já vem de longe e não tem como causa principal a recente situação pandémica mundial. De todo! Basta estar atento aos recentes estudos para percebermos que a tendência de queda na aquisição das aprendizagens já vinha de antes da pandemia, sem que ninguém se tivesse preocupado realmente.

Dito isto, não me parece que o foco principal de quem tanto fala da recuperação das aprendizagens seja esse, pois se no horizonte, dos sucessivos governos, diga-se, estivessem as aprendizagens, já muita coisa teria sido feita em prol desse sucesso.

Quando ainda antes do verão já se falava da redução de alunos por turma não só para minorar os riscos de contágio, mas também porque é sabido que turmas numerosas dificultam as aprendizagens, o Ministério da Educação assobiou para o lado, como se nada fosse. Nas televisões anunciava-se que as turmas podiam ser desdobradas, mas na realidade, quando algumas escolas o pediram para fazer a resposta foi negativa por parte de quem decide. Podiam se isso não acarretasse mais despesa.

A medida de reduzir alunos por turma era efetiva em duas dimensões: na diminuição das probabilidades de contágio e na possibilidade de um ensino mais individualizado. Se juntássemos a redução de alunos por turma à de acabar com as turmas multinível, teríamos aqui duas medidas que a curto, médio e longo prazo trariam melhorias significativas.

Ao invés, o Governo apressou-se a aumentar o número de dias letivos, medida economicista pois raramente o mais é sinónimo de melhor. O simples alongar o ano letivo terá apenas um efeito residual no que toca à recuperação de aprendizagens. Prova disso é o estudo da OCDE, Education at a Glance 2019, que admite que o tempo a mais nas escolas portuguesas não esteja a ser usado “de forma tão eficiente como noutros países”.

No estudo é possível perceber que as crianças do 1.º ciclo do ensino básico passam 5460 horas em aulas, valor que comparado com as 4258 horas da média da União Europeia é bastante superior — e estamos a falar de cerca de 50 dias, quase dois meses! O estudo revela que também no 2.º ciclo há uma grande diferença. Os alunos portugueses passam 8214 horas nas salas de aula, acima das 7260 da União Europeia, quase 40 dias a mais e nem por isso este valor tem tido relação direta com a melhoria dos resultados nos testes internacionais.

Posto isto e relativamente ao plano, mais não me parece que um querer tapar o sol com a peneira, pois escolas abertas no verão não são garante de nada. Mesmo que nos queiram, como revela o estudo sobre Aprendizagens perdidas devido à pandemia: Uma proposta de recuperação, pespegar a ideia de que “de acordo com a publicação da OCDE (…) estima-se que o encerramento das escolas cause uma perda de rendimento acumulado ao longo da vida de entre 10.700€ e 18.100€ para um indivíduo que venha a ganhar o salário mediano. Ainda que os alunos abrangidos por estes programas de recuperação de aprendizagens ganhem metade do salário mediano, estamos a falar de perdas de entre 5350€ e 9050€ de salário” e consequentemente fazendo “uma interpretação direta das estimativas implica que cada 1€ gasto neste programa de recuperação de aprendizagens pode trazer, nos cenários mais conservadores, entre 3 e 10 euros de retorno ao longo dos próximos 40 anos”, a mesma parece-me muito mais virada para o negócio do que para a efetiva recuperação das aprendizagens. Até porque resta saber, em comparação, quanto custaria ter tomado outro tipo de medidas como as descritas anteriormente e qual o retorno.

A bem da verdade quem precisa de um plano de recuperação é a própria Educação pois com esta pandemia ficou claro que a função assistencialista da escola se tornou tão grande, que se sobrepôs à educativa e isso tem obviamente repercussões nas aprendizagens há muito tempo.

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