Elas também estiveram lá: as mulheres que ficaram de fora da história do 25 de Abril

Para celebrar o 25 de Abril, o Teatro do Vestido transformou a peça teatral Elas também estiveram lá numa experiência cinematográfica. Propõe-se uma “viagem intemporal” pelas vidas das mulheres que não passam de “vírgulas nos livros de História”.

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Daniel Rocha

Elvira e Teresa foram mais dois nomes que o registo da história da revolução de 25 de Abril obliterou. Durante os dias em que os oficiais do exército ocuparam pontos estratégicos na cidade do Porto, as duas mulheres, em conjunto com outras integrantes do bairro do Leal, levaram-lhes café e pão com manteiga, num gesto simbólico de apoio à revolução em curso.

Era das poucas formas através das quais podiam contribuir e as suas experiências não passam de “vírgulas nos livros de História”. Mas Joana Craveiro, encenadora e directora do Teatro do Vestido, recuperou-as e deu-lhes uma nova vida no espectáculo Elas também estiveram lá, agora transformado em filme.

O projecto está a ser exibido, todos os dias e até esta quinta-feira, na plataforma Vimeo, das 21h30 às 00h30, no âmbito das celebrações do 25 de Abril em Lisboa. Mas não é só de revolução que se fala no filme de Joana Craveiro. É também “uma viagem intemporal pelas vidas de uma série de mulheres que estiveram lá: nos momentos, nas vidas, nos eventos históricos, no lado escondido das imagens, dentro das casas, à espera, na sombra, e na linha da frente”, conta a encenadora ao P3.

Bastidores das filmagens de "Elas Também Estiveram Lá"
Bastidores das filmagens de "Elas Também Estiveram Lá"
Bastidores das filmagens de "Elas Também Estiveram Lá"
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Bastidores das filmagens de "Elas Também Estiveram Lá"

O espectáculo foi, originalmente, representado em 2018, nos moldes de um projecto site-specific. Tudo começava na Avenida da Liberdade, em Lisboa, e desembocava na sala de cinema Rank Filmes, utilizada pela censura para visionar longas-metragens, durante o Estado Novo. Pelo caminho, Joana Craveiro e Tânia Guerreiro guiavam o público através de histórias “de mulheres anónimas” que se envolviam com o espaço e documentos que as ilustravam. Era uma viagem “íntima”, com muito poucas pessoas no público, e que deixou uma “grande vontade de a ver” em tantas outras, segundo a directora do Teatro do Vestido.

Foi desta curiosidade que nasceu a ideia de representar, outra vez, o espectáculo, inserido nas celebrações de um tempo onde “as mulheres não conseguiam comprar a pílula ou viajar sem autorização do marido”. No entanto, devido às restrições pandémicas, a ideia acabou por cair por terra e foi necessário adaptá-la e transformá-la num “outro objecto”. “A ideia foi fazer um filme a partir do projecto original. Não podia ser apenas um registo filmado do espectáculo, até porque não é isso que eu pratico. Os projectos que fazemos no Teatro do Vestido são muito particulares”, explica Joana Craveiro.

Os desafios foram muitos, desde trasladar o carácter intimista do espectáculo para o formato filme, até lidar com uma linguagem que não era deles. “Somos pessoas do teatro”, afirma. “Foram menos de dois meses. Com a ajuda do Miguel Bonneville, formado em cinema, lá conseguimos rodar e montar em tempo recorde, mas é pouco para aquilo que um filme precisa.”

A reflexão sobre a (in)visibilidade das mulheres nos processos históricos não é um tema novo para a encenadora. É algo “que salta à vista” e que já tinha sido abordado em outros projectos do Teatro do Vestido, nomeadamente o Museu Vivo de Memórias Pequenas e Esquecidas. “É um tema que já estava muito presente no meu trabalho e foi por isso que decidi fazer este espectáculo”, conta, acrescentado que não se versa “sobre figuras que tenham grande protagonismo ou com grande visibilidade no espaço público”. “A ideia é sempre dar voz às pessoas que não têm acesso a esse espaço e é nelas que me inspiro”, conclui. 

Joana Craveiro não sabe responder se alguma vez mais terá a oportunidade de representar o Elas também estiveram lá pela Avenida da Liberdade, em Lisboa. “Um espectáculo que já foi transformado num filme e teve a sua carreira não é uma prioridade, principalmente quando precisa de um enquadramento tão específico”, afirma. No entanto, deixa outra sugestão para quem quer viver e apoiar a cultura, depois do período conturbado para o sector que o confinamento provocou. “Temos outros espectáculos, como o Museu Vivo, representado nos dias 7 e 8 de Maio, presencialmente, no FITEI - Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica, no Porto.

Texto editado por Ana Maria Henriques

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