A joia da coroa

Talvez como nunca, o momento que vivemos mostrou a importância e a necessidade de mantermos um modelo universal e tendencialmente gratuito como espinha dorsal de um sistema de saúde que se quer inclusivo.

Atingimos o valor recorde de vacinações anti-covid-19 no último fim-de-semana. A vitalidade do Serviço Nacional de Saúde foi posta à prova, tendo respondido com eficiência e eficácia ao transpor a ambiciosa fasquia estabelecida pelo poder político, sob coordenação da task force vacinal. Noutras latitudes, as máscaras já vão caindo graças à vacinação em massa, ambição que mostrámos estar também ao nosso alcance mesmo quando a disponibilidade de vacinas sofre revezes que obrigam a alterações logísticas inesperadas.

Não é este o primeiro grande sucesso do SNS, estamos lembrados que com outros protagonistas foi possível implementar uma política de saúde materno-infantil que colocou o País entre os melhores em níveis de mortalidade infantil e perinatal. Muitos dos problemas na Saúde dos últimos anos não parecem, pois, resultar do modelo, mas da capacidade política em tirar partido do mesmo. E esse talento vai ser bem necessário no futuro, uma vez que a situação sanitária pós pandemia não se afigura risonha.

Às dificuldades e constrangimentos anteriores à pandemia, como seja a insuficiência em médicos de família, as listas de espera para consultas e cirurgias nos hospitais e a carência de profissionais em zonas mais interiores, somam-se agora os efeitos diretos de uma doença infeciosa que persiste e dos danos colaterais associados, com o agravar de casos de obesidade, diabetes e doenças mentais, entre outros.

Quando tudo começou, alguns pensámos estar a viver um pesadelo do qual acordaríamos em sobressalto, mas não insones. Hoje sabemos estar a viver uma insónia prolongada cujo fim se anuncia, mas sem que o futuro seja ainda claro. Pode, porém, afirmar-se que esta epidemia não veio resolver nenhum problema de Saúde, veio sim acrescentar mais um, mostrando a necessidade de repensar o modelo global de saúde pública e de organização dos serviços de saúde em função dos novos/velhos desafios.

À Esquerda e à Direita, o Serviço Nacional de Saúde tem sido considerado como a joia da coroa do 25 de Abril na área social. Talvez como nunca, o momento que vivemos mostrou a importância e a necessidade de mantermos um modelo universal e tendencialmente gratuito como espinha dorsal de um sistema de saúde que se quer inclusivo, privilegiando a equidade no acesso. Não tenhamos, porém, ilusões: por mais generoso que seja o decisor político, a fatia do bolo orçamental tem limites, e há opções em matéria de Saúde que vão ter de ser feitas.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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