PÚBLICO promove curso “Patrimónios Contestados” para acabar com a “algazarra”

Nem sempre a descolonização política significa descolonização cultural e ainda existe muita falta de informação acerca dos patrimónios históricos e culturais. A reflexão é lançada numa série de sessões online a partir de 28 de Abril, sob coordenação da cátedra UNESCO em Diálogo Intercultural em Patrimónios de Influência Portuguesa, da Universidade de Coimbra.

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Como agir para preservar o património edificado pelos portugueses em África, Goa (Índia), ou noutras paragens por esse mundo fora? Qual a realidade de outros estados colonizadores? Se os países onde se encontra esse património são os legítimos proprietários, que palavra tem a dizer quem os construiu? E o que fazer quando os antigos colonizados reclamam de volta o património (obras de arte, por exemplo) levado para as então metrópoles? O debate em torno dos vários patrimónios poucas vezes vê a luz do dia da opinião pública e, quando isso acontece, os argumentos são, muitas vezes, extremados. Para alargar o debate à sociedade civil e descodificar alguma da discussão académica em redor deste tema, o PÚBLICO franqueia a janela da discussão sobre os “Patrimónios Contestados” (as inscrições estão abertas a todos os interessados). Um curso totalmente online de abordagem aos patrimónios históricos e culturais, da responsabilidade da Cátedra UNESCO Patrimónios da Universidade de Coimbra.

Ao longo das oito sessões que arrancam no dia 28 de Abril (e terminam a 14 de Julho), os participantes terão a oportunidade de ouvir o resultado das investigações/reflexões feitas por alguns dos mais proeminentes especialistas nacionais e internacionais na matéria. Após cada exposição temática dos docentes convidados, e de acordo com as questões levantadas pelos “alunos”, segue-se o tão desejado debate. “Com mais informação, este tipo de discussões tornam-se mais ricas e conduzem a conclusões mais sensatas”, explica Walter Rossa, professor catedrático do Departamento de Arquitectura da Universidade de Coimbra (UC) e titular da Cátedra UNESCO em Diálogo Intercultural em Patrimónios de Influência Portuguesa.

Walter Rossa é um dos coordenadores científicos do livro com o mesmo nome deste curso, “Patrimónios Contestados”, a par de Miguel Bandeira Jerónimo. No acto da inscrição, todos os participantes recebem gratuitamente esta publicação inédita, da responsabilidade da UNESCO e editada pelo PÚBLICO, que oferece pontos de vista muito variados e temas de grande actualidade, viajando de Mostar (Bósnia e Herzegovina) a Tombuctu (Mali), Goa ou São Paulo (Brasil). O livro envolve reflexões valiosas sobre Portugal e espaços e culturas com influência portuguesa, abordando questões como as histórias coloniais dos museus, as dimensões internacionais dos debates ou as políticas de patrimonialização.

São co-autores do livro “Patrimónios Contestados” Dacia Viejo Rose, Lilia Schwarcz, Marie Huber, Ariel Sophia Bardi, Alice Procter, Elizabeth Buettner, Amita Kanekar, Jason Keith Fernandes, Paulo Peixoto, Luís Raposo e Bárbara Reis, que compõem também o corpo docente do curso. Cada sessão tem a duração de duas horas, sempre às quartas-feiras, das 18h00 às 20h00 (apenas a primeira sessão é das 15h00 às 17h00). Algumas das sessões serão leccionadas em inglês. No final, todos os participantes receberão um certificado de frequência emitido pela Cátedra da UNESCO Património.

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O livro "Patrimónios Contestados", editado pelo PÚBLICO, tem coordenação científica de Walter Rossa e Miguel Bandeira Jerónimo.

Uma questão séria de cidadania

Na opinião de Miguel Bandeira Jerónimo, este debate vai ajudar a desmistificar alguma da linguagem académica que, por vezes, é utilizada nestas discussões. “Temos de colocar-nos todos como sendo parte interessada no tema dos patrimónios contestados. Não vai ser um curso académico, embora tenha esse rigor”, diz o professor associado em História na Faculdade de Letras da UC, vincando de seguida uma das suas grandes preocupações: “Este é um problema muito sério de cidadania e estamos a tentar aproximar a reflexão académica com a decisão informada.”

Várias décadas após alguns dos processos de descolonização política mais significativos, há ainda muitas perguntas por responder. “Patrimónios Contestados” será uma oportunidade para refrescar memórias, revisitar conceitos e construir novas heranças, como explica Walter Rossa. “Por vezes, confundimos cultura, tradição, história... o próprio conceito de património. Mas tudo o que vai ficando registado em espaço público é um legado importante. Os registos mais antigos sobre os patrimónios são muito fragmentados e hoje existe uma visão mais abrangente dos patrimónios históricos e culturais.”

Quando as convenções ficam em causa

O conhecimento mais profundo acerca da “propriedade” dos patrimónios resulta, em grande parte, das convenções existentes entre nações, entre culturas. Ainda assim, o reconhecimento mútuo nem sempre é consensual, sobretudo quando entram em equação valores como a propriedade e a tutela, as regras da partilha, da preservação ou da utilização desses patrimónios. Daí que seja necessária uma discussão mais serena acerca destes assuntos, pois, como diz Walter Rossa, “tem havido muita algazarra em redor deste tipo de debates e é para acabar com essa algazarra que pretendemos fornecer mais informação, mais esclarecimentos”.

O curso “Patrimónios Contestados” terá, assim, sessões dedicadas a temas tão diversos como “Património cultural: da violência à reparação”, na abertura (Dacia Viejo Rose); “Ser ou não ser património: bandeirantes e bandeiras e outros conjuntos escultóricos contestados”, por Lilia Moritz Schwarcz; “Doma-cracy planeada: memória em apagamento na Índia e em Israel”, por Ariel Sophia Bardi. A derradeira sessão, a 14 de Julho, é transformada em mesa redonda centrada no tema “Patrimónios contestados em Portugal: problemas, casos, debates”, que servirá como balanço final de um curso centrado num dos debates políticos com maior potencial transformador da actualidade.

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