Huawei acusada de aceder a conversas telefónicas de milhões de utilizadores nos Países Baixos
Um relatório de 2010 tornado público nota que a Huawei poderia ter acesso a comunicações dos 6,5 milhões de utilizadores da operadora de telecomunicações KNP. A Huawei nega todas as acusações; a KNP diz que o relatório era uma análise de risco.
A Huawei está a ser acusada de aceder a todas as conversas de uma das maiores operadoras de telecomunicações dos Países Baixo, a KPN. A informação, que consta num relatório de 2010 da consultora Capgemini para a KPN, tornou-se pública este fim-de-semana depois do jornal neerlandês De Volkskrant obter conhecimento da informação.
Segundo a Capgemini, trabalhadores da Huawei a trabalhar na China e nos Países Baixos podiam monitorizar as chamadas de todos os números na rede da KPN. Os alvos poderiam incluir o então primeiro-ministro Jan Peter Balkenende e dissidentes do regime de Xi Jiping a viver neste país europeu. Na altura do relatório, a operadora tinha 6,5 milhões de utilizadores.
A KPN confirmou a existência do documento, mas diz que não há provas de que a Huawei tenha retirado informação sobre os seus clientes e que nenhum dos fornecedores da operadora tem acesso “não autorizado, descontrolado ou ilimitado” às redes e sistemas. O relatório era uma análise de risco.
Contactada pelo PÚBLICO, a equipa da Huawei nega as acusações e sublinha que os trabalhadores da Huawei nos Países Baixos não tinham capacidade “de ouvir conversas do primeiro-ministro dos Países Baixos ou de qualquer outra pessoa” e que a empresa não tem e nunca teve qualquer autorização para interceptar dados da KPN.
"A alegação de que o primeiro-ministro poderia ser ouvido por nós é completamente falsa”, lê-se num comunicado enviado pela empresa.
A equipa da Huawei nota que os trabalhadores mencionados pelo Volkskrant, que acederam sem autorização aos dados de clientes da KPN, “estavam sobre responsabilidade directa da KPN e não da Huawei dos Países Baixos”. A tecnológica chinesa defende que a informação está de acordo com as declarações emitidas pela KPN onde se lê que a “manutenção do core das redes móveis era realizado pela KPN e apoiada pela Huawei”.
As alegações do relatório, que a Huawei nega e a KPN desvaloriza, chegam numa altura em que a empresa chinesa continua a ser alvo de escrutínio no ocidente devido à possibilidade de espionagem de Pequim. Desde 2019 que o governo dos Estados Unidos está a tentar convencer os seus aliados, incluindo Portugal, a não adquirir equipamentos de infra-estrutura para as redes 5G da Huawei com base nestes receios.
A KPN, que começou a utilizar tecnologia da Huawei em 2009, encomendou o relatório à consultora Capgemini depois de receber um alerta de espionagem do serviço nacional de inteligência e segurança dos Países Baixos, o AIVD. Nas conclusões, a equipa da Capgemini definia o uso da tecnologia da Huawei pela KPN como “um perigo sério” que podia levar os utilizadores da rede móvel “a perder confiança” nos seus serviços.
Apesar da KPN ter assinado vários contratos de telecomunicações com a Huawei após a produção do relatório, a operadora foi uma das primeiras na Europa a afastar a empresa chinesa das redes core 5G. Trata-se de parte da infra-estrutura que serve de base às novas redes 5G e que inclui servidores e mecanismos que encaminham o tráfego das antenas e tratam da conectividade à rede. A sueca Ericsson foi eleita para a substituir em 2020.
No entanto, a Europa continua a ser uma área de investimento para a infra-estrutura de telecomunicações da Huawei. Apesar de repetidas acusações de espionagem nos últimos anos, que a Huawei desmente, em 2020 a empresa chinesa anunciou que tinha 91 contratados comerciais para as redes 5G em todo o mundo. Destes, 47 são na Europa.
As operadoras de telecomunicações Nos, Altice e Vodafone, que dominam o mercado em Portugal, já disseram que não fazem tenções de utilizar a tecnologia da Huawei nas novas redes core 5G, apesar de o Governo não ter banido o gigante chinês da infra-estrutura.
Editado: Acrescentado que a KNP diz que o objectivo do relatório era avaliar riscos.