CPAS: Transformar a crise em oportunidade

A Caixa de Previdência de Advogados e Solicitadores precisa de se reconfigurar ou, no limite, de dar lugar a outro sistema de apoio. Uma leitura abreviada do Relatório do Grupo de Trabalho CPAS.

É conhecida a máxima segundo a qual, na língua chinesa, crise e oportunidade se materializam no mesmo caracter chinês. O ano de 2020 e, comprova-se agora, também, o de 2021, seguem esta ideia, cabendo a cada um de nós estar atento a essa realidade e saber decidir e escolher na hora certa. É também desta dicotomia que falamos quando nos referimos à Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS) e à reforma e reconfiguração que urge decidir.

Desde o meu último artigo, dois factos vêm contribuir para avançar nesta matéria: (i) a decisão da assembleia geral da Ordem dos Advogados (OA) de realizar um referendo sobre a escolha de um regime de previdência social para o futuro e (ii) a conclusão do estudo do Grupo de Trabalho (GT) criado para diagnosticar os desafios da CPAS e para analisar potenciais soluções a implementar. O desafio que se nos coloca é claro: que regime de previdência queremos e que melhor se adequa aos desafios de um mundo em mudança? Um regime como o atual, de tipo ‘fundo de pensões’, ou um sistema que nos permita obter uma componente assistencialista, que possa garantir prestações sociais em situação de doença, de desemprego, etc..

Desenhada numa época em que estas questões não se colocavam ou eram menos relevantes, a CPAS precisa de se reconfigurar ou, no limite, de dar lugar a outro sistema de apoio. E é esse o desafio do referendo. Como sempre defendi, esta escolha só deve ser feita de forma consciente e informada e o estudo do GT-CPAS vem lançar alguma luz sobre a questão. Sendo impossível no espaço de um artigo de jornal abordar todos os aspetos do documento, julgo, no entanto, importante apresentar uma leitura guiada sobre as principais conclusões do relatório final, visando contribuir para a escolha que todos os profissionais da classe terão de tomar e assumir em consciência. Nas suas quase 30 reuniões, no decurso de 10 meses de trabalho, o GT-CPAS seguiu a missão e os objetivos que lhe foram fixados, designadamente, (i) levando a cabo o inquérito sobre a situação geral dos beneficiários, permitindo fazer uma caraterização socioeconómica da classe, (ii) analisando possibilidades de apoios financeiros extraordinários em sede de Orçamento de Estado, relativamente às atuais dificuldades provocadas pela pandemia, (iii) monitorizando as medidas aprovadas para minorar a crise atual e elaborando propostas de correção e (iv) preparando um estudo comparativo do Regime da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (RCPAS) com o Regime Geral dos Trabalhadores Independentes (RGTI) e com o Regime Geral da Segurança Social (RGSS).

Deste trabalho resultou um conjunto de conclusões e de recomendações, encabeçadas por uma medida de fundo: a realização “urgente de estudos de sustentabilidade por um prazo superior aos até aqui efetuados e conhecidos” (20 anos), por forma a ser possível antecipar a capacidade da CPAS em dar resposta aos compromissos assumidos com beneficiários de todas as idades.

Comparação do RCPAS com os regimes da Segurança Social 

Grande parte do estudo é dedicado à comparação do RCPAS com o RGTI e o RGSS, elencando informação relevante que nos ajudará a tomar uma decisão informada. Não sendo possível ser abrangente, destaco alguns dos aspetos mais importantes. Taxa contributiva: para remunerações de igual valor, o RGTI é menos oneroso do ponto de vista contributivo, com uma taxa nominal (21,4%) mais reduzida que a do RCPAS (24%)”. Mas o que faz a diferença é que, como no RGTI o apuramento do rendimento relevante é trimestral, a taxa contributiva efetiva é significativamente mais reduzida (14,98%) do que a vigente na CPAS (que se indexa a remunerações fixas, podendo ultrapassar a taxa nominal). Pensões de reforma: como nos RGTI/RGSS o limite superior à base de incidência contributiva é mais baixo (€5.265,72 contra €8.903,07 no RCPAS), a CPAS pode atribuir pensões de reforma de valor superior. As condições de acesso à reforma da CPAS são mais vantajosas face ao RGSS, porque o prazo de garantia a cumprir é mais reduzido (10 anos Vs. 15 anos) e a idade de reforma é fixa (65 anos) e inferior à atual idade normal de reforma do RGSS (66 anos e 6 meses em 2021). Quanto ao cálculo e valor das pensões de reforma/velhice, o RGTI apresenta-se mais generoso, na medida em que prevê taxas de substituição de rendimentos mais elevadas. Acesso a prestações sociais: os beneficiários da CPAS não têm acesso às prestações sociais relativas à proteção da parentalidade, da doença e de desemprego, ao contrário dos beneficiários de outros regimes, uma vez que estes ficam condicionados à impossibilidade de exercício da atividade profissional, enquanto que os benefícios atribuídos pela CPAS não, sendo possível continuar a trabalhar. Por outro lado, os trabalhadores independentes, quando têm acesso aos subsídios da Segurança Social, não pagam contribuições, enquanto que no RCPAS estão obrigados a manter o seu pagamento. Os beneficiários da CPAS, enquanto profissionais liberais, mesmo que se encontrassem enquadrados no regime dos demais trabalhadores independentes, não poderiam beneficiar do subsídio de desemprego, que apenas está previsto para os empresários em nome individual. Esse direito existiria apenas se fossem economicamente dependentes de uma entidade contratante. Contabilização de contribuições: para os trabalhadores independentes, no período de atribuição dos subsídios da Segurança Social, há equivalência de entrada de contribuições para efeitos de contabilização das prestações sociais (pensão de velhice, invalidez e sobrevivência), o que não sucede na CPAS.

Reforma da CPAS: próximos passos 

O estudo do GT-CPAS conclui que todas estas situações identificadas carecem de resposta urgente e exigem uma reforma do RCPAS, orientada para que a CPAS seja, no mínimo, equiparável ao RGTI. Também a integração da CPAS na Segurança Social é uma das questões que se encontra atualmente em discussão em diversas instâncias, nomeadamente, na Assembleia da República, onde várias iniciativas legislativas por parte de alguns partidos, pretendem dar uma solução a este desafio. Seja qual for a solução, não nos podemos esquecer, também, de quem já está reformado, tendo descontado muitos anos para ter a sua reforma, em determinadas condições, e que agora não pode ser descartado, como se não contasse. Antes de tudo, está na mão dos Advogados, Solicitadores e Agentes de Execução refletirem e fazerem a sua escolha informada. É essa a intenção deste artigo: lançar uma primeira luz sobre os prós e contras da escolha a fazer. O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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