O Plano Ferroviário Nacional e o isolamento económico de Portugal

Em Portugal não há 1km de linha em bitola europeia e como o Plano Ferroviário Nacional está a ser pensado num horizonte de 30 anos isso significa que o Governo não tem intenções nenhumas de começar a construir linhas de bitola europeia até 2050.

Decorreu a 19 de Abril, a apresentação dos objectivos do Plano Ferroviário Nacional (PFN). A política sobre a introdução da bitola europeia, da qual depende fortemente a competitividade das nossas importações e exportações para a Europa, e em consequência a nossa capacidade de atracção e fixação de investimento, ficou clara na apresentação e no debate: não se vai fazer nada. O que se ouviu da parte dos organismos do Governo e não só, foi “é um não problema”, “eixos variáveis” (referindo-se a passageiros), “não há planos para a bitola europeia no eixo Atlântico e na ligação a Madrid, logo a bitola é um falso problema”, “estamos a olhar até 2050” e “o que é preciso é estarmos articulados com Espanha e estamos”. São afirmações sem fundamentação, como é costume, agravadas pelo alcance temporal até 2050. 

O problema da bitola deriva do resto da UE (excepto a rede convencional espanhola durante algum tempo) ter bitola ferroviária (distância entre carris) diferente de Portugal, o que impede os nossos comboios de entrar em França. A alternativa rodoviária perde cada vez mais competitividade devido aos constrangimentos ambientais e energéticos e o transporte marítimo não tem a competitividade que muitas empresas precisam, por falta de frequência, rapidez e acesso directo ao centro da Europa. Como a ferrovia de bitola ibérica que temos não é competitiva nos tráfegos internacionais por várias razões, a mais relevante das quais a diferença de bitolas, a falta de meios de transporte competitivo para os nossos principais parceiros comerciais conduzem a nossa economia para o isolamento, pois 70% do nosso comércio externo faz-se com a UE. Muitas empresas terão de usar as plataformas logísticas espanholas para importar e exportar, e devido aos sobrecustos que isso origina só poderão sobreviver com políticas de baixos salários, ou deslocalizando-se.

No debate sobre esta questão, o Governo e o autor do Plano de Recuperação e Resiliência referiram que a bitola europeia não é necessária porque existem tecnologias alternativas para resolver o problema, que são os eixos variáveis, em que as rodas de cada eixo se aproximam e afastam à passagem por um aparelho chamado intercambiador, permitindo aos comboios circularem em linhas de diferentes bitolas. Mas o problema nunca foi a existência ou não destes sistemas, mas sim a sua competitividade. Estes sistemas existem há mais de 50 anos em Espanha, que todos os anos investe cerca de 3000 milhões de euros do OE, bem como avultados fundos europeus, em linhas de bitola europeia, para, entre outros objectivos, se ver livre destes sistemas. Os próprios fabricantes espanhóis destes eixos dizem que estes se destinam a facilitar a transição da bitola em Espanha e não são uma solução permanente do problema da diferença de bitolas. Se fossem os espanhóis já teriam dado por isso. A má fundamentação técnica das políticas ferroviárias actuais também é patente nos artigos que se publicam na comunicação social especializada e generalista em sua defesa: i) em geral repetem afirmações sem fundamento técnico-económico, como as que se ouviram no debate da sessão de apresentação do PFN, ii) outras vezes refere-se o óbvio, que a transição da bitola tem custos e inconvenientes, sem nunca referir que estes são incomparavelmente inferiores ao custo do isolamento económico, e iii) outras vezes limitam-se a adjectivar perjoratimente as pessoas com ideias diferentes sem discutir os argumentos técnicos que apresentam, ou seja, atacam-se as pessoas porque não se consegue rebater as ideias.

Por volta de 2026 linhas aptas para tráfego competitivo de mercadorias em bitola europeia estarão em toda a costa mediterrânica de Espanha, de França a Algeciras, onde estão os 3 principais portos espanhóis e quase metade da economia. Depois a rede estender-se-á ao resto de Espanha, tornando a Espanha independente da rodovia no seu comércio com a UE. Em Portugal não há 1km de linha em bitola europeia, nem a sua construção vai estar prevista no PFN, tal como não está no PNI 2030. Como o PFN está a ser pensado num horizonte de 30 anos, isso significa que o Governo não tem intenções nenhumas de começar a construir linhas de bitola europeia até 2050, condenando os portugueses ao atraso face à UE e ao subdesenvolvimento por muitas décadas.

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