Porfírio Silva diz que PS não pode ser instrumentalizado para uma causa individual

O dirigente socialista diz que não se deve “aceitar como normal, ou irrepreensível, qualquer comportamento que não seja criminalizável”.

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Porfírio Silva Miguel Manso

O dirigente socialista Porfírio Silva considera que o antigo primeiro-ministro José Sócrates tem razões contra o sistema judicial, admite “intenção política” na sua captura, mas aceita “juízos éticos” e recusa a instrumentalização do PS para causa individual.

Estas posições sobre a situação de José Sócrates, pronunciado na sexta-feira pelo Tribunal Central de Instrução Criminal por crimes de branqueamento de capitais e de falsificação de documentos, no âmbito do processo judicial Operação Marquês, foram assumidas por Porfírio Silva, membro do secretariado nacional do PS e vice-presidente do grupo parlamentar socialista, num texto que publicou no seu blogue “Máquina Especulativa”.

“Creio que José Sócrates tem razões de queixa do sistema judicial, mas também creio que seria profundamente errado pretender que isso é tudo o que há a dizer sobre a matéria”, escreve Porfírio Silva. De acordo com o deputado socialista eleito por Aveiro, o antigo líder do PS (2004/2011) “não é o primeiro, e não será o último, a ter razões de queixa da justiça portuguesa”.

“A detenção mediatizada do antigo primeiro-ministro, ser preso para ser investigado, as condições da sua prisão preventiva, os anos à espera de que seja feita justiça, as constantes fugas selectivas de informação do meio processual para alimentar as campanhas de ódio no espaço público, as reviravoltas da acusação e da pronúncia dão, no seu conjunto, um retrato horrível daquilo que um poder do Estado pode fazer ilegitimamente contra um cidadão”, critica.

O membro da direcção do PS considera mesmo que “o que se está a passar com Sócrates já se passou, embora com espectáculos de menor duração, com outras pessoas”.

“Há casos de, no mínimo, flagrante incompetência do sistema de justiça, que deixam marcas profundas e dolorosas na vida de muita gente e um ferrete na vida colectiva: basta lembrar a ignomínia de que foi vítima Paulo Pedroso, um dos mais competentes e brilhantes políticos portugueses”, indica, numa alusão ao antigo porta-voz socialista (2002/2003), que, tal como José Sócrates, já abandonou o PS.

Porfírio Silva interroga-se depois se pode ter havido “intenção política” na decisão de “capturar” José Sócrates no âmbito da Operação Marquês. “Pode. Como pode ter havido em casos anteriores”, realça.

Contudo, a propósito deste assunto, o dirigente socialista faz também uma advertência: “Essa acusação não deve ser feita levianamente – porque já estamos cansados de acusações formuladas levianamente”. “O próprio Sócrates pode perfeitamente ter sido vítima de acusações formuladas levianamente e não curamos a doença espalhando mais veneno”, afirma, antes de deixar mais um aviso em relação ao recurso a analogias.

Invocar [o antigo Presidente do Brasil] Lula e [o juiz Sérgio] Moro é uma analogia apelativa, mas fazer dela uma dedução automática para outro caso ainda seria proceder pelo método dos julgamentos populares. Ora, não há julgamentos populares bons e julgamentos populares maus: são todos iníquos”, salienta o vice da bancada do PS.

No seu artigo, Porfírio Silva diz conceber que uma pessoa, perante um tribunal, se defenda admitindo um comportamento que não constitui um crime.

O que não temos é de aceitar como normal, ou irrepreensível, qualquer comportamento que não seja criminalizável. Neste caso concreto, atendendo a declarações do próprio, é perfeitamente concebível que Sócrates tenha tido comportamentos que, não sendo crimes, são condenáveis. Condenáveis à luz de algum critério ético muito geral, ou condenáveis simplesmente à luz de escolhas de valores próprios de um determinado grupo humano”, observa.

Neste contexto, o dirigente socialista aponta então que o facto de José Sócrates ter sido secretário-geral do PS, e de ter sido primeiro-ministro por indicação do PS, “legitima que os socialistas tenham uma valoração dos seus comportamentos à luz daquilo que os próprios socialistas consideram coerente com os seus princípios políticos”.

“Isso tem algum valor para uma condenação criminal? Não tem. Tem, não obstante, um valor ético. E ninguém nos pode pedir que prescindamos desse critério ético. Nem se nos pode pedir que deixemos o juízo ético para depois do juízo penal”, advoga. Mas Porfírio Silva vai ainda mais longe, contrariando as críticas que José Sócrates tem feito à actuação da direcção do PS.

Nenhuma pessoa, nenhum socialista tem o direito de querer que o PS se transforme num partido de uma causa individual, por mais justa que ela seja. Os socialistas têm o dever de honrar o património de um partido que sempre colocou o bem comum acima de qualquer causa particular”, defende.

De acordo com o dirigente do PS, “também merece uma apreciação ética – aqui, uma apreciação negativa – a tentativa de emparedar um grande partido popular, que foi e continua a ser fulcral na construção e sustentabilidade da democracia portuguesa, tentando metê-lo no beco de um específico processo judicial, mesmo que dele seja preciso extrair consequências para a coisa pública”. “Os partidos não são um fim em si mesmo, os partidos são instrumentais – mas devem ser instrumentais exclusivamente para o bem comum”, acrescenta.

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