São os jovens que desistem do interior ou é o interior que desiste dos jovens?

A realidade da vida rural que muitos idealizam é esta: muito trabalho, pouco dinheiro, pouco acesso a cultura, pouco acesso a oportunidades, pouco acesso a cuidados médicos… Pouco acesso a tudo. Para clarificar esta ideia basta seguir esta lógica: “No meu círculo de conhecidos, quantas são as pessoas que eram do interior, foram estudar para fora, e voltaram?”

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Nelson Garrido

Os jovens são o motor de esperança de que o interior precisa. Sem eles é impossível contrariar as forças do despovoamento. São muitas as formas de apoio jovem que existem por todo o território nacional, mas o que se observa é que não se demonstram suficientes para estancar a o êxodo populacional para o litoral, sendo fundamental almejar novas formas de fixação dos jovens após os estudos. Mas porque é que tantos jovens fogem do interior?

Bem, ao longo da nossa vida escolar (que tem vindo a ganhar condições adicionais de ano para ano), são prometidos aos jovens do interior os mesmos desígnios do que aos jovens do litoral. E isto tem, muitas das vezes, um resultado desanimador: os jovens do interior não encontram uma correspondência às expectativas profissionais na sua localidade, não tendo outro recurso a não ser ir à busca de empregos que preencham as suas metas fora dos locais onde, em tempos, sonharam trabalhar. É uma realidade injusta.

Em diálogo com outros jovens chego mesmo a observar que existe a sensação de que quanto mais se estuda, mais têm de se afastar do interior para alcançar os seus objectivos profissionais. Mas há uma realidade escondida que a pandemia em muito contribuiu para realçar: a qualidade de vida no interior é invejável. Isto fez despertar ainda mais o interesse (e também o desespero) dos jovens que se querem fixar, mas que não encontram meios para o fazer.

Aliás, não foram apenas os jovens que (re)descobriram o interior. Ao que se parece, grande parte da população do litoral também descobriu, por exemplo, os recantos dos oásis alentejanos. Mas esta romantização do que é a vida rural preocupa-me: o mesmo isolamento que traz turistas é o mesmo isolamento a que os jovens (e toda a restante população) do interior estão submetidos.

Além dos que saem das suas terras para estudar, o que acontece aos que ficam? Muitos são os que escolhem acabar o percurso escolar e ir de imediato para o activo. E que bom é ter os jovens a trabalhar! Mas em que condições? Infelizmente, na sua maioria, a pouca qualificação é sinónimo de trabalhos precários, pouco ou mal pagos e que utilizam os jovens para mão-de-obra barata. A realidade da vida rural que muitos idealizam é esta: muito trabalho, pouco dinheiro, pouco acesso a cultura, pouco acesso a oportunidades, pouco acesso a cuidados médicos… Pouco acesso a tudo. Para clarificar esta ideia basta seguir esta lógica: “No meu círculo de conhecidos, quantas são as pessoas que eram do interior, foram estudar para fora, e voltaram?”.

A política de fixação de jovens, na sua generalidade, entra em fuga daquilo que é a realidade, não sendo adaptada correctamente e, muitas vezes, não aproveitando a totalidade das potencialidades locais. Sendo assim, como poderá existir uma efectividade de fixação dos jovens se não existem políticas musculadas o suficiente para tal efeito? A resposta não pode residir unicamente em políticas locais ou nacionais, tem de subsistir numa vinculação forte e empenhada entre as duas esferas. Assim, sejam elas de cunho económico, social ou político, a sua substância deve alicerçar-se numa concepção de progresso, primordialmente num progresso que marque um horizonte frutífero e proficiente para os concelhos do interior, que caminham a passos largos para o despovoamento. Os jovens do interior existem, estão lá e merecem ser ouvidos. Da mesma forma que merecem os que não estão lá, mas que sonham estar: os que idealizam um dia poder voltar às terras que os viram nascer. Os jovens resistem; por isso, está na hora de lhes dar voz.

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