Vai-te embora bicho-papão, é mês de Ramadão

A percepção de que ataques terroristas são mera e exclusivamente praticados por muçulmanos contra não-muçulmanos é errada. Mas enquanto este equívoco não for globalmente esclarecido, o medo injustificado em relação a muçulmanos perpetuar-se-á e a vitória de bandeja será entregue àqueles cuja primordial intenção é a instalação do terror.

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Reuters/MUATH FREIJ

A personificação do medo na mitologia portuguesa e brasileira está entregue ao tão popular bicho-papão, uma figura fictícia, tipicamente usada para amedrontar crianças e as convencer a adoptar melhores maneiras. Crescemos, assim, num lugar em que o medo do desconhecido é usado como gatilho para a obtenção de um comportamento socialmente aceite. Sendo que o medo per se é o estado de alerta que nos invade aquando de um perigo percepcionado e é, muitas vezes, o nosso melhor motor de defesa individual. Mas, quando em demasia, não será que o medo faz com que paremos de nos questionar e de evoluir enquanto indivíduos, sociedade e comunidade global?

Na forma de ignorância de muitos, a comunidade muçulmana continua a ser indevidamente associada à palavra terrorismo. No entanto, e de acordo com Guillaume Denoix de Saint Marc, o director executivo da organização não-governamental Association Française des Victimes du Terrorisme, 80% das vítimas de práticas de terrorismo são, na realidade, muçulmanos. Facto talvez surpreendente para alguns, visto que ataques terroristas conduzidos por muçulmanos têm, segundo uma pesquisa da Georgia State University,  357% mais cobertura mediática do que ataques terroristas conduzidos por não-muçulmanos. A percepção de que ataques terroristas são mera e exclusivamente praticados por muçulmanos contra não-muçulmanos é errada. Mas, enquanto este equívoco não for globalmente esclarecido, o medo injustificado em relação a muçulmanos perpetuar-se-á e a vitória de bandeja será entregue àqueles cuja primordial intenção é a instalação do terror.

Proponho que combatamos os nossos bichos-papões com educação. Proponho que nos ouçamos uns aos outros e valorizemos a individualidade de cada um de nós, independentemente da comunidade à qual pertencemos. Porque, não, os muçulmanos não são todos iguais. Nem tão-pouco são os cristãos, os judeus ou os ateus. O respeito por alguém enquanto indivíduo é a chave para a destruição de estereótipos instalados. Precisamos de soltar as amarras que nos aprisionam a medos injustificados e nos inibem de nos conectarmos verdadeiramente enquanto humanos e coabitantes do mesmo pedaço de terra. Quando com boas intenções, a curiosidade que efervesce em nós é, muitas vezes, o catalisador que precisamos para nos desfazermos de preconceitos enraizados. Façamos perguntas sem medo de respostas com as quais podemos ou não concordar mas que têm de ser respeitadas.

Em Abril de 2021, é pertinente questionar o que é o Ramadão. O que faz com que 1,6 mil milhões de pessoas se inibam de comer e beber do nascer ao pôr do Sol durante um mês por ano? O Ramadão é o período de tempo que a grande maioria da comunidade muçulmana dedica para se aproximar da sua religião e espiritualidade e para renovar a sua fé. É a altura do ano em que os crentes do islão se comprometem a resistir a prazeres e desejos como forma de agradecimento a Deus/Alá.

É durante este mês que o sentido de humildade, de paciência e de disciplina destes crentes é apurado. E em que a valorização da família se faz sentir. É tempo de caridade, fraternidade, compaixão e perdão. É entendido, também, como uma oportunidade de crescimento pessoal. E só resta aos não-muçulmanos respeitar este período considerado sagrado para os seguidores do islão. O Ramadão é, assim, um mês puro em que os bichos-papões não são bem-vindos.

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