O medo de voar: de 11 de Setembro de 2001 a 11 de Março de 2020

A 11 de Setembro de 2001, o medo de voar começou no combate ao terrorismo. Depois de 11 de Março de 2020, data em que a Organização Mundial de Saúde declarou o estado pandémico da covid-19, teme-se o vírus.

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Nuno Ferreira Santos

Em Agosto de 2020 noticiou-se um espectáculo aéreo inesperado, com a passagem de um Airbus A380 da Hi-fly sobre o litoral algarvio. Tal o susto, alguns banhistas apressaram-se a evacuar o local, havendo quem ligasse à polícia e ao 112, não fosse aquele o seu dia de azar. Em jeito de superstição, daquela que tão habitualmente caracteriza a sociedade portuguesa, não terá o maior avião de passageiros do mundo pressagiado o deserto em que um dos areais mais cobiçados da Europa se haveria de tornar, e o medo que se viveria?

A 11 de Setembro de 2001, o medo de voar começou no combate ao terrorismo. Depois de 11 de Março de 2020, data em que a Organização Mundial de Saúde declarou o estado pandémico da covid-19, teme-se o vírus (embora embalagens de álcool gel com mais de 100 mililitros continuem a não ser autorizadas devido ao primeiro). Mas como se relacionam estas duas datas e como pode uma indústria que tem como principal objectivo unir pessoas, começar a separá-las?

A resposta passa pela reinvenção. O modelo de negócios de uma empresa de aviação consiste, tipicamente, em dois segmentos principais. Surpreendentemente, o turístico pouca alteração sofreu a nível de rotas. Pelo contrário, voar em regime business tornou-se uma prática quase inexistente devido aos escritórios fechados, conferências canceladas e a um maior receio das empresas.

No caso americano, as rotas com maior capacidade tornaram-se as ligadas à Flórida e ao México, enquanto Nova Iorque e San José foram reduzidas a serviços mínimos. Isto fez com que empresas tipicamente orientadas para viagens de negócios, como a United Airlines (UA), se vissem forçadas a mudar drasticamente a estratégia. Isto incluiu começarem a operar voos de transporte de carga como a única de forma de lucrar em algumas rotas. Assim, a UA passou de zero voos deste tipo para centenas por semana em 2020.

E se a reinvenção não for suficiente? Após a administração Trump ter banido todos os voos da Europa, separando duas regiões de forte ligação, a gigante Lufthansa passou a operar em apenas nove aeroportos. A estratégia parece simples: ao prever menor procura, empresas de grande dimensão preparam-se, reduzindo custos e removendo rotas menos lucrativas. No entanto, o problema neste caso é a própria imprevisibilidade dessa mesma redução, algo semelhante ao que aconteceu durante a última grande crise económica do sector, o 11 de Setembro. Após o ataque, a indústria nunca recuperou completamente. Isto porque a palavra “recuperação” pressupõe voltarem a atingir-se as margens de lucro operacionais normais até à data, e tal nunca aconteceu. Assim, o “novo normal” está a tornar-se uma expressão cada vez mais adequada para descrever o futuro pós-pandémico. 

Não obstante o presságio de um futuro incerto trazido por um A380 na Praia da Falésia, nem todos se resignaram ao pessimismo. Algumas empresas como a australiana Qantas Airways ordenaram o armazenamento a longo prazo de todos os seus aviões deste modelo, nos vulgarmente chamados “cemitérios de aviões”. Uma opção extraordinariamente dispendiosa e usualmente dedicada 
à reciclagem ou depósito temporário, mas que revela uma mensagem de esperança no futuro e na normal operação do maior avião de passageiros do mundo. De facto, nas economias em que o vírus está mais controlado, como a China e a Nova Zelândia, o sector recuperou margens significativas de forma relativamente rápida. Talvez isto nos confirme, numa discussão incessável sobre a falsa dicotomia saúde-economia, que “o que importa é ter saúde”. 

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