O tanque americano vs. a bazuca europeia

A Europa pode estar contente com a sua “bazuca”, mas a resposta norte-americana à crise é um “tanque” que parece ser muito mais eficaz.

A onda de choque da pandemia mudou o mundo de forma profunda. Provavelmente só existirá plena consciência das mudanças provocadas quando existirem condições para regressar à normalidade.

As instituições públicas estão em grande pressão, e torna-se evidente que as boas decisões ajudam a superar a crise sanitária, social e económica. Por outro lado, as más decisões dos líderes das instituições públicas agravam os problemas.

Os Estados Unidos da América lançaram o programa American Rescue Plan com 1900 mil milhões de dólares destinados a alavancar a procura. O objetivo é fazer circular o dinheiro pela economia com a maior rapidez possível. A metodologia para alcançar este objetivo é através da entrega de cheques às famílias trabalhadoras (desde 1400 até 3600 dólares) que têm menor rendimento disponível.

Desta forma satisfazem-se duas necessidades. Em primeiro lugar, o apoio às famílias com maiores necessidades. Estas, por sua vez, como precisam do dinheiro, gastam-no no imediato devido à ausência de poupanças. Deste modo, cumpre-se o segundo objetivo: fazer circular o dinheiro na economia americana.

Este programa de Biden supera a “bazuca” europeia pela operacionalização. Ou seja, consegue fazer com que o dinheiro chegue às famílias e empresas. Por sua vez, na Europa o problema não é a dimensão “bazuca”, mas antes a sua operacionalização.

A resposta europeia com 750 mil milhões de euros será aplicada dentro de regras que limitam a sua utilização. O melhor exemplo são os 350 mil milhões de euros do Next Generation EU disponíveis sob a forma de empréstimo e que continuam por utilizar pelos Estados-membros.

Qualquer empréstimo significará o aumento do endividamento, por isso os 350 mil milhões de euros do Next Generation EU continuam “estacionados” nas instâncias europeias. Os Estados-membros preferem esperar pelo dinheiro que estará disponível a “fundo perdido”, deixando como último recurso a utilização de qualquer montante sob a forma de empréstimo. Por esse motivo, há muito dinheiro que não está a chegar à economia da União Europeia, ainda que seja necessário.

A forma como está “desenhado” o American Rescue Plan levou a OCDE a rever as previsões para a economia norte-americana duplicando o valor previsto de crescimento de 3,2% para 6,5%. Simultaneamente, este crescimento aumentará a diferença entre as economias dos Estados Unidos da América e da União Europeia com a vantagem a recair para os norte-americanos, como torna evidente o relatório da OCDE de março de 2021 que integra nas suas previsões o recente plano da Administração Biden.

Sendo evidente que para estas previsões contribui o ritmo de vacinação. Este é pior na Europa em comparação com os resultados norte-americanos. O estudo da Euler Hermes aponta para um custo de 90 mil milhões para a economia da União Europeia se os objetivos de vacinação continuarem a registar o mesmo nível de atraso.

Mas tem de ser atendível o facto de a União Europeia estar a criar uma resposta para uma realidade diferente da existente nos Estados Unidos da América. A diversidade no espaço europeu é muito grande, devido às diferenças que existem entre cada Estado-membro, nesse sentido nunca é fácil simplificar.

Contudo, a verdade é que este plano da União Europeia pode ser uma “bazuca” que falha o alvo se o dinheiro não chegar a quem mais precisa. Verifica-se a diferença para o plano norte-americano, que tem como prioridade por o dinheiro “nas mãos” de quem precisa.

O caso de Portugal poderá vir a ser um exemplo de um plano mal pensado na europa e aplicado com más decisões pelo governo nacional. Isto porque ainda não existe uma ideia clara de como recuperar os dois principais problemas que conduziram à contração do PIB: o consumo e exportações.

O governo português decidiu que 70% do Plano de Recuperação e Resiliência será consumido no setor público e o remanescente tem como destino o setor privado. O PIB contraiu 7,6% em 2020, sendo que a maior parte do 15,4 mil milhões de euros do PIB perdeu-se devido à quebra no consumo privado e exportações, especialmente no turismo. Ainda que o principal “empurrão” no crescimento de 2,2% do PIB no ano de 2019 tenha vindo das exportações, a receita do atual governo para recuperar a economia é apostar no consumo público.

Deste modo, não existe nenhuma estratégia no Plano de Recuperação e Resiliência para resolver o financiamento das empresas e também não existe qualquer indicação que o governo português utilizará o dinheiro disponível sob a forma de empréstimo no Next Generation EU para esse efeito. Haverá empresas a fechar devido à falta de financiamento para o seu fundo de maneio. Ou seja, há risco de não existir dinheiro para financiar as despesas de funcionamento das empresas mesmo havendo vendas. E outras poderão fechar pela falta de investimento necessário para melhorar a competitividade e acompanhar a concorrência (com particular atenção para outras empresas europeias).

A falta de financiamento para o tecido empresarial poderá permitir a Portugal ser exemplo de poupança, mas eliminando ao mesmo tempo a capacidade de se conseguir ganhar dinheiro na sua economia.

O resultado para Portugal e restantes países na União Europeia será o mesmo: o melhor controlo orçamental do mundo não evita o empobrecimento se a economia continuar a enfraquecer por falta de apoios.

Mas a escassez nos apoios às empresas não significa necessariamente abundância na resposta do governo em outras áreas como a saúde e social, que sofrem uma grande pressão neste contexto.

São um exemplo desta evidência os três diplomas aprovados no Parlamento com os votos contra do PS. Esta legislação determina um alargamento dos apoios a pagar aos independentes, sócios-gerentes, pais que vejam as escolas dos filhos encerradas e autonomia para os hospitais e centros de saúde adaptarem os seus orçamentos em função dos horários de funcionamento ou necessidade de mais profissionais.

Ainda que se tenha presente o argumento da racionalidade das regras orçamentais, percebe-se que estes apoios são justos. Ou seja, em Portugal e na Europa aceita-se a ideia de manter injustiças sociais mesmo com o maior pacote de estímulo à economia e reparação dos danos sociais provocados pela covid-19.

É evidente que não poderá ser ignorado o endividamento de Portugal e de muitos países da União Europeia. Mas a verdade é que os Estados Unidos conseguem ajudar dando dinheiro a quem mais precisa e simultaneamente terem uma previsão de crescimento económico maior que a União Europeia.

A Europa pode estar contente com a sua “bazuca”, mas a resposta norte-americana à crise é um “tanque” que parece ser muito mais eficaz.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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