A União Europeia está mesmo disposta a alargar-se? “Nós estamos a falhar e vamos pagar um preço alto”

Existem cinco países candidatos à entrada na UE e dois com o estatuto de potenciais candidatos. Apesar de avanços nas reformas necessárias, existem “egoísmos” a adiar o alargamento.

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Reuters/FLORION GOGA

A história da União Europeia, desde os primórdios da fundação da Comunidade Económica Europeia em 1957, tem sido feita de sucessivos alargamentos, numa tentativa de estender o projecto europeu, alicerçado na paz e na democracia, ao maior número de nações. Desde desse tempo, ainda marcado pela memória dos horrores da guerra, a UE passou por sete alargamentos: em 1986, por exemplo, ingressaram Portugal e Espanha e em 2004, com a entrada de dez países, foi confirmado o maior alargamento de sempre.

Com o Brexit, no início de 2020, a ditar a primeira saída de um estado-membro, ficou evidente a fragilidade actual do projecto europeu, que se encontra num período de redefinição para garantir a própria sustentabilidade. Uma das frentes para o futuro da UE parece passar pelo alargamento, sobretudo aos países dos Balcãs. Mas esse futuro parece cada vez mais incerto, devido aos sucessivos adiamentos e bloqueios que surgem dentro da própria União. Afinal, a UE quer ou não quer expandir-se?

“A União Europeia está neste momento muito centrada sobre ela própria. Se nos distrairmos dos Balcãs, o que vai acontecer é que os Balcãs vão causar problemas que se irão reflectir directamente na vida europeia”, começa por dizer ao PÚBLICO Paulo Rangel, eurodeputado eleito pelo PSD.

Responsável pela pasta do alargamento dentro do Partido Popular Europeu (PPE), Rangel reconhece a indefinição da UE quanto ao rumo do alargamento e critica a postura dos Países Baixos e de França, “extremamente renitentes a qualquer adesão”. Nesta fase do processo, defende, urge “levantar todos os obstáculos”. “Quanto à entrada dos Balcãs ocidentais, eu acho que é um erro gravíssimo para a UE não estar mais empenhada nisso.”

Actualmente são cinco os países com o estatuto de candidatos à entrada na UE: a Albânia, a Macedónia do Norte, o Montenegro, a Sérvia e Turquia. Fora estes, ainda existem outros dois potenciais candidatos, a Bósnia-Herzegovina e o Kosovo. “Se olharmos para os países candidatos neste momento, para mim, sem dúvida que aquele que está em melhores condições e que é mais fácil de integrar é o Montenegro, mas mesmo assim há problemas”, assinala Rangel.

Entre os “problemas” daquele país que até já faz parte da NATO está a pouca independência da justiça face à política, as ligações à Sérvia e à Rússia e o peso da igreja ortodoxa sérvia. “Sinceramente, eu não queria arriscar aqui uma data e um prognóstico, embora a ideia é que em 2025, eventualmente, especialmente nos Balcãs ocidentais e olhando para os países candidatos, já pudesse haver alguns desenvolvimentos.”

Para a eurodeputada Isabel Santos, do PS, apesar das complexidades internas dos países candidatos, os maiores obstáculos são sempre colocados pelos países que já estão dentro da UE. “Os maiores entraves são sempre a vontade dos países que já estão dentro da UE. Esse é maior dos entraves, porque aqueles países que querem entrar estão muitos abertos a fazer reformas”, diz a socialista ao PÚBLICO, dando o exemplo da Albânia, que conhece bem por ter sido relatora do processo para a integração daquele país.

De 1946 a 1992, a Albânia foi uma República Popular Socialista, comunista e remetida ao isolamento internacional. Hoje, cerca 97% dos albaneses defendem a adesão à UE. “Há uma grande mobilização porque a população sente que esta adesão garantirá as reformas democráticas que o país necessita.” A vontade é já espelhada pelas mudanças realizadas pelo país, que tem vindo a promover reformas “muito significativas” no sistema judicial.

“Todos os juízes passaram por um processo de verificação, o que fez que uma boa parte deles fosse demitida e uma outra parte se demitisse”, exemplifica Isabel Santos, referindo, também que, em articulação com a UE, foram criados dois novos corpos de combate à corrupção. Nem mesmo o terramoto de 2019, o mais forte em várias décadas, ou a pandemia da covid-19, fizeram abrandar as reformas da Albânia. Todos os partidos, por exemplo, “cooperam activamente” na reforma eleitoral do país. “Se continuarmos a protelar, vai haver do outro lado um desânimo brutal e que vai ter com certeza consequências.”

Também a Macedónia do Norte tem revelado abertura para as mudanças a começar pelo nome do país, que passou a ter “norte” para abrandar os conflitos com a Grécia. “Mudaram o nome do país. Sabemos muito bem o que isso significa para o país e as tensões sociais e políticas que gerou. Nós não podemos continuar neste processo de adiamento.”

Balcãs, a fonte onde nasceram as guerras europeias

O processo de adesão à UE é longo e exigente, feito de avanços e recuos. Para Paulo Rangel, a Europa não está a fazer o suficiente para “cativar” os países dos Balcãs, compostos por sociedades complexas e divididas, marcadas pelas cicatrizes das guerras.

O social-democrata dá o exemplo da Bósnia-Herzegovina, em negociações desde 2016, onde conflituam três etnias principais e onde é sentida a influência política da “agenda chinesa, turca, russa e árabe”. Nessa teia complexa, a UE deve-se chegar à frente e reconhecer os “pequenos, mas importantíssimos passos” dados pelo país nos últimos tempos. “Organizaram eleições em Mostar, que é como a capital da Herzegovina. Foram capazes de fazer eleições locais que não se faziam desde 2008 e depois não damos nenhum sinal positivo?”, questiona Rangel, afirmando que os bósnios são a favor da integração porque “só querem uma vida melhor”.

Este é o ponto fundamental do alargamento da UE: integrar cidadãos que “se sentem europeus” e garantir a paz no velho continente. “Há um interesse simbiótico da perspectiva económica e da paz. Não vale a pena ter ilusões, a história está sempre a regressar e a vir ter connosco e os Balcãs são sempre uma fonte onde começam guerras europeias.” Por isso tudo, Paulo Rangel, que também aponta para a necessidade de “olhar” para um alargamento ao Cáucaso, particularmente à Geórgia, não tem dúvidas: “A Europa está a fazer pouco. Nós estamos a falhar e vamos pagar um preço alto.”

Isabel Santos também reforça que a UE, tal como aquando da sua fundação, “continua a ser um projecto de paz”. “Não tenhamos ilusões”, alerta: essa paz “não deve ser dada como adquirida”. Por isso, há um “esforço” que tem de ser feito e a UE não está a fazê-lo. “Há também um jogo político nisso, na forma como determinados grupos políticos vão jogando dentro da França e da Holanda, países que têm criado os maiores problemas. Este tipo de contrapoderes tem que ver com os interesses internos e não tem que ver com os interesses da União”, afirma, acrescentando que “este não é um processo que admita egoísmos”.

No quadro geopolítico actual, a Europa só tem a perder “se não avançar” para a integração dos países dos Balcãs. “É uma oportunidade de estabilidade para a UE para fazer que outros actores geopolíticos não avancem na região e sabemos bem o interesse da China, Turquia e da Rússia.” Motivos que devem levar a apressar o alargamento, até porque estando aqueles países já inseridos na UE, torna-se “mais fácil promover as reformas necessárias” tal como demonstra a experiência portuguesa.

Além disso, há também vantagens económicas, uma vez que os Balcãs representam 18 milhões de cidadãos, que já têm na UE o principal mercado externo. Com “oportunidades” em “diferentes frentes”, a UE não pode continuar “passivamente à espera”. “Não podemos protelar mais. Seria um erro histórico protelarmos num momento em que aqueles países estão tão abertos às reformas necessárias”, diz Isabel Santos.


Artigo alterado às 18h22 de 13 de Abril de 2021 para corrigir número de países abrangidos pelo alargamento de 2004.

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