Países ocidentais são os mais afectados pelo burnout parental

Estudo que abrange 42 países de todos os continentes comprova que o contexto cultural é mais determinante no esgotamento parental do que a condição socioeconómica dos indivíduos. Países ocidentais, ricos e individualistas sofrem mais desta condição.

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Paulo Pimenta/Arquivo

Os países ocidentais, sobretudo “os mais ricos e onde há uma cultura mais individualista, são os mais afectados pelo burnout parental”, conclui o mais recente estudo sobre o esgotamento dos pais, levado a cabo pela Universidade Católica de Lovaina, na Bélgica; e coordenado em Portugal pelas universidades de Coimbra e do Porto.

Por esgotamento parental entende-se “o burnout induzido pelo stress associado ao cuidado de crianças e adolescentes”, define a equipa num comunicado da Universidade de Coimbra, alertando que esta é “uma condição que traz sérias consequências quer para os adultos cuidadores, quer para as crianças”. O objectivo deste estudo de Isabelle Roskam e Moïra Mikolajczak, de Lovaina; e de Anne Marie Fontaine, da Universidade do Porto, e Maria Filomena Gaspar, da Universidade de Coimbra, foi o de averiguar a influência do contexto cultural no desenvolvimento da síndrome de esgotamento parental.

Agora, os resultados do estudo, já publicado no jornal científico Affective Science e que abrange 42 países, comprovam que a cultura tem um maior efeito na ocorrência de um esgotamento em pais e mães do que a condição socioeconómica. Aliás, no Ocidente, que integra países mais abastados, mais individualistas, e que, inclusivamente, têm em média menos filhos, as pessoas são mais afectadas por este problema, caracteriza o estudo. O país com mais incidência é a Polónia, e com menor incidência a Tailândia. Entre os que apresentaram piores resultados incluem-se também os Estados Unidos, Bélgica, Canadá, e Rússia, por exemplo.

“A parentalidade nesses países pode ser uma actividade muito solitária, diferentemente do que ocorre em culturas mais colectivistas, como é o caso dos países de África, em que há um envolvimento maior de toda a comunidade na educação das crianças”, explica Maria Filomena Gaspar no mesmo comunicado, divulgado esta segunda-feira. Isto significa que os valores individualistas nos países do Ocidente podem submeter cuidadores a níveis mais elevados de stress. Esta descoberta leva a “repensar a máxima do ‘cada um por si’, que se espalha pelo mundo”, sustenta Isabelle Roskam. Por outro lado, sublinha Anne Marie Fontaine, “nos países individualistas há o culto à performance e ao perfeccionismo, e isso tem sido estendido também ao exercício do papel parental.”

Dados de antes da pandemia

Os dados deste estudo foram recolhidos através do International Investigation of Parental Burnout Consortium. Participaram 17.409 adultos — 12.364 mães e 5045 pais –, sendo que só eram elegíveis pessoas que tivessem pelo menos um filho a morar em casa. Procurou-se ainda que os países seleccionados variassem no que respeita à geografia (estando presentes nações dos cinco continentes), cultura e nível socioeconómico.

No que respeita à dimensão cultural avaliaram-se seis dimensões, designadamente distância ao poder (a aceitação de uma distribuição desigual do poder), individualismo, masculinidade (uma preferência societal por conquistas, heroísmo, assertividade e recompensas materiais), aversão à incerteza (o grau de incómodo em torno da ambiguidade e dúvida), orientação de longo prazo (como se lida com desafios presentes e futuros), e indulgência (a gratificação livre dos impulsos humanos), desenvolvidas pelo psicólogo social Geert Hofstede. Já a vertente económica foi avaliada através do PIB de cada país.

Foram tidas em conta características sociodemográficas como idade, sexo, nível de escolaridade, número de filhos biológicos e crianças em casa, idade do filho mais novo e idade do mais velho, horas passadas com as crianças por dia, número de mulheres e homens a viver na casa e a cuidar das crianças diariamente, estatuto profissional, anos passados no país, etnia, modelos familiares, e perfil residencial.

O esgotamento parental, temática do estudo, foi avaliado com o Parental Burnout Assessment (PBA), um questionário que analisa os quatro principais sintomas desta condição: exaustão emocional, contraste com o eu parental anterior, perda de prazer no papel de pai ou mãe, e distanciamento emocional dos filhos.

Relativamente à dimensão geográfica participaram no estudo 42 países, nomeadamente a Bélgica, que coordenou o estudo, Portugal, e ainda a Argélia, Argentina, Austrália, Áustria, Brasil, Burundi, Camarões, Canadá, Chile, China, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Equador, Egipto, Finlândia, França, Alemanha, Irão, Itália, Japão, Líbano, Paquistão, Peru, Polónia, Roménia, Rússia, Ruanda, Sérvia, Espanha, Suécia, Suíça, Tailândia, Países Baixos, Togo, Turquia, Reino Unido, Uruguai, Estado Unidos e Vietname.

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Prevalência do burnout parental nos diferentes países. Roskam et al. (2021). Affective Science.

O processo de recolha de dados foi iniciado em Janeiro de 2018 e terminou em Março de 2020. Ou seja, a recolha dos dados ocorreu antes dos confinamentos nos diversos países, em consequência da propagação da covid-19. No entanto, como explica Maria Filomena Gaspar, “o individualismo tem-se agravado pela actual situação pandémica, em que as famílias nucleares encontram-se mais isoladas das suas redes de apoio habituais”.

Portugal durante a pandemia

Em Agosto passado, as investigadoras portuguesas revelaram que, se para uns pais o confinamento e o isolamento social provocaram um aumento dos sintomas de burnout (síndrome de exaustão emocional), para outros esta fase foi encarada como uma oportunidade para aumentar a qualidade da sua relação com os filhos. Ou seja, a pandemia em Portugal não teve o mesmo impacto na qualidade da parentalidade e das relações com os filhos para todas as mães e pais. 

A equipa portuguesa desenvolveu a sua própria análise, com enfoque na população portuguesa e a sua experiência durante a actual pandemia. Assim, foi identificada uma intensificação dos níveis de stress e exaustão em pais e mães, mais representativa, contudo, no sexo masculino. No entanto, como explica Joyce Aguiar, colaboradora do estudo, “esta maior propensão dos homens ao burnout parental deve-se não ao volume de tarefas parentais que de facto eles tenham assumido durante a pandemia, mas à ausência de recursos emocionais para lidar com as pressões de cuidar dos filhos nas actuais e desafiantes condições — em confinamento, sem apoio da família extensa, com o ensino à distância e o teletrabalho, por exemplo”. De facto, Portugal permanece ainda um local “onde as mulheres são as principais responsáveis pelos cuidados com as crianças”, afirma. É de destacar, todavia, que apesar das dificuldades trazidas pela pandemia, houve pais e mães que sentiram que o confinamento lhes trouxe uma oportunidade de melhorar a relação com os filhos.

Marisa Matias, uma das investigadoras, deixa uma mensagem geral: “É fundamental que psicólogos clínicos e demais profissionais de saúde conheçam o burnout parental para que possam reconhecer os seus sintomas quando eventualmente se depararem com pais e mães nesta condição, que facilmente pode ser confundida com depressão.”


Texto editado por Bárbara Wong

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