(Re)descobrindo as redondezas e sementes de cidadania no confinamento

Andar a pé pelas zonas que nos rodeiam torna-nos agentes políticos, mais conhecedores da realidade para lá da nossa porta. Faz com que nos importemos mais com o que se passa à nossa volta, em termos muito concretos. E também nos leva a (re)conhecer quem vive em redor.

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Rooban N/Unsplash

Se há algo que o confinamento provocou foi um (re)encontro com as nossas redondezas, muito provocado pela limitação das deslocações. Enquanto para algumas pessoas o andar a pé nunca tenha passado de moda, seja por gosto ou necessidade, para quem vive nos subúrbios, mal ordenados e com fracos sistemas de transportes, a norma é a “carro-dependência”, para quem pode. Com o carro chega-se aos sítios onde se caminha, seja a beira-mar, o parque da cidade, ou as zonas verdes com passadiços.

As restrições de deslocação fizeram com que muitos de nós começassem a explorar as periferias dos grandes centros a pé. Ora, os benefícios para a saúde física e mental das caminhadas são amplamente conhecidas. Mas, e para vida em comunidade?

Talvez isto seja uma noção absurda para quem vive num sítio que conhece como a palma da mão, onde talvez até tenha crescido. Porém não falta quem tenha pouca ou nenhumas ligações à vida local da freguesia ou zona onde mora.

Fazer um reconhecimento das ruas e áreas envolventes pode levar a grandes descobertas. No meu caso levou a uma serra com trilhos, panorâmicas com vista para o mar e para as serras de Valongo, parques escondidos, ruas calmas, ponteadas de longe a longe por outras pessoas a caminhar... Mas estas andanças também nos levam a reparar melhor. Há ruas com bastante movimento onde é inadmissível a falta de passeios. Há belas hortas e pomares em flor. E muitas perguntas. A quem pertencerá este terreno enorme inundado de belas manchas de tojo? Como é que no século XXI ainda há quem despeje entulho aleatório em bermas de terrenos? E como o impedir? Porque é que aceitamos que se desista de belas casas e edifícios antigos até virarem ruínas? E quem será responsável por aquele parque meio abandonado?

No fundo, andar a pé pelas zonas que nos rodeiam torna-nos agentes políticos, mais conhecedores da realidade para lá da nossa porta. Faz com que nos importemos mais com o que se passa à nossa volta, em termos muito concretos. E também nos leva a (re)conhecer quem vive em redor. Com o tempo talvez metamos conversa e resolvamos arregaçar as mangas para melhorar as condições daquele parque, ou para reflorestar partes da serra local com árvores autóctones. Talvez se criem ou reforcem teias de cidadania, auscultando os problemas da comunidade, e movimentando esforços em rede para os resolver.

Os movimentos de cidadania tendem a centrar-se nas cidades, mas não faltam causas para abraçar nas periferias. Enquanto muita da gestão administrativa se faz ao nível das freguesias e concelhos, os problemas atravessam fronteiras. Haverá sempre trânsito a mais no centro do Porto, enquanto não houver uma rede extensa de transportes públicos de qualidade em toda a Área Metropolitana. Medidas como o passe único são de louvar, mas é crucial que a sociedade civil nas periferias também se envolva e se bata com eficácia por melhorias nos seus territórios.

As consultas públicas aos PDM (Plano Director Municipal) a decorrer em Vila Nova de Gaia e Valongo são bons exemplos. Por um lado convidam a partilhar perspectivas e experiências sobre os lugares, por outro estimulam e activam a (pessoa) cidadã que há dentro de nós. Uma vez desafiadas a pensar os nossos lugares, talvez isso crie o bichinho para continuarmos a fazê-lo colectivamente, juntando ideias e esforços para melhor cuidar das gentes e territórios que nos rodeiam. Pertenceremos mais a estes lugares, quanto mais os tomarmos como nossos para cuidar.

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