Grandes naus, grandes tormentas

A justiça tem sido demasiado leniente, incapaz de se fazer respeitar, e os arguidos sabem que só têm a ganhar com o protelamento. Não haja dúvida: estamos sempre a aprender.

A decisão instrutória da Operação Marquês traduz apenas o entendimento de um juiz que tem uma forma peculiarmente redutora de interpretar as leis e, sobretudo, de avaliar as provas. Seguir-se-á a pertinente impugnação do Ministério Público perante a instância superior competente, trilhando-se o caminho ritualizado que a lei estabelece para estas coisas.

É até bastante provável que esse recurso obtenha provimento em vários segmentos da vasta matéria de imputação agora rechaçada, dadas as qualidades de exigência, meticulosidade e rigor que têm sido generalizadamente reconhecidas ao longo da sua carreira ao coordenador da equipa que elaborou a peça acusatória. Coisa diversa é saber se a construção de um processo com tanta complexidade fáctica e jurídica e com uma acusação de tal dimensão é a estratégia mais adequada à realização da justiça em prazo razoável, consentâneo com a dinâmica da vida actual, que segue à velocidade da luz. Tanto mais num sistema que não dispõe de mecanismos de acordo sobre a sentença, em dissonância com a esmagadora maioria dos parceiros europeus, e onde, mesmo que existissem, dificilmente lograriam hoje efeito num caso como este.

Porque, em resumo, a justiça tem sido demasiado leniente, incapaz de se fazer respeitar, e os arguidos sabem que só têm a ganhar com o protelamento. É previsível que os tribunais das diversas instâncias por onde o mastodonte haverá de passar, por força dos recursos que o Ministério Público (MP) e equipas de defesa de elevada competência sucessivamente interporão, se vejam submersos num oceano de papel cada vez maior, com argumentos e contra-argumentos cada vez mais intrincados que farão retardar as decisões, enquanto não se detém a marcha do tempo de prescrição do procedimento criminal.

Há, pois, que reflectir sobre o método e a estratégia e que tirar conclusões. E, de caminho, ponderar também se faz sentido ter uma fase de instrução com este recorte em vez de uma simples apreciação judicial da matéria do inquérito em sede de debate instrutório, em moldes análogos aos da preliminary hearing do sistema anglo-saxónico. Não haja dúvida: estamos sempre a aprender.

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