Sol e mar: Grécia quer conquistar os nómadas digitais, mas ainda tem de percorrer um longo caminho

A Grécia está a planear ter vistos para os profissionais que se mudarem para o país, assim como uma redução de impostos durante sete anos.

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Rowena Harding, consultora de comunicação em teletrabalho na Grécia Agência Reuters

Do seu jardim numa ilha grega, Rowena Harding trabalha com os governos e instituições de caridade em todo o mundo. “A melhor coisa é que posso fazer meu trabalho em qualquer lugar do mundo”, diz a consultora de comunicações australiana-britânica. “Eu posso falar com os clientes de Myanmar, com os clientes de Ruanda. Esta manhã estive a trabalhar com clientes do nordeste da Nigéria, e tudo a partir daqui, de uma ilha grega”, conta Rowena Harding, à Agência Reuters.

A Grécia está a reunir esforços para atrair a comunidade de teletrabalhadores através de medidas mais “verdes” e digitais, esperando assim que estes ajudem a reactivar a economia do país e recuperar a imagem internacional depois de mais de uma década em crise. O país espera também impulsionar o turismo depois do pior ano do sector em décadas.

No entanto, para um país próximo do último lugar no ranking de economia digital da União Europeia, o caminho para se tornar um centro para nómadas digitais — como Bali ou Maiorca — é longo e repleto de obstáculos tecnológicos e burocráticos. Se conseguir ter sucesso poucos anos depois de emergir do maior resgate da sua história, terá ultrapassado o teste à sua capacidade para remodelar a economia num mundo pós-pandémico

Sentada numa praia perto da sua casa, Harding menciona as razões pelas quais se mudou da Tailândia para Egina, uma das ilhas Sarónicas, na Grécia, a uma curta distância de barco de Atenas: baixas taxas de infecção pelo novo coronavírus, o clima, a boa comida e um bom ambiente para aproveitar a vida.

Além do sol, do mar e do estilo de vida, a Grécia está a planear ter vistos para os profissionais que se mudarem, assim como uma redução de 50% do imposto sobre o rendimento durante sete anos. A ideia é também atrair de volta alguns dos 800 mil jovens gregos que emigraram durante a longa recessão que se seguiu à crise financeira de 2009.

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Rowena Harding, consultora de comunicações australiana-britânica, em teletrabalho na Grécia Agência Reuteres

“Se podemos trabalhar em qualquer lugar, porque não trabalhar a partir da Grécia?”, disse o ministro do Turismo, Harry Theoharis, à Reuters, citando um estudo que estima uma receita de 1,6 mil milhões de euros para cada 100 mil trabalhadores que permanecerem durante seis meses.

Mas, apesar do “grande potencial” da Grécia, muitos trabalhadores ficarão apenas semanas, e não meses, por causa de problemas que vão da wi-fi lenta e da regras dos vistos que são inflexíveis, disse David Williams, CEO do mercado imobiliário global NomadX.

Embora a Grécia tenha atraído investimentos dos “grandes” da tecnologia da Tesla e da Amazon, o país está bem abaixo da média europeia em conectividade, uso da Internet e serviços públicos digitais, ficando em penúltimo lugar no Índice de Sociedade e Economia Digital de 2020 da Comissão Europeia. A internet de banda larga fixa da Grécia é mais lenta do que a do Tajiquistão, onde apenas um quarto da população está online, de acordo com o Índice Global Speedtest, que classificou a Grécia em 98.º lugar em Fevereiro.

No mês passado, o primeiro-ministro Kyriakos Mitsotakis delineou um plano multimilionário chamado “Grécia 2.0”, que inclui investimentos em redes 5G, que a Grécia começou a implementar em Dezembro para reforçar sua atractividade. “Qualquer um quer ver o mar pela janela enquanto trabalha, mas quer ter certeza de que o computador está conectado”, disse o ministro do Turismo, Theoharis.

Impulsionado pela pandemia, espera-se que o teletrabalho duplique em 2021, segundo um estudo da Enterprise Technology Research dos Estados Unidos.

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Rowena Harding, consultora de comunicações australiana-britânica, em teletrabalho na Grécia Agência Reuteres

Ansiosa por competir com a ilha da Madeira, que criou uma vila nómada digital, a cidade de Rodes lançou um Observatório Digital de Nómadas. Na ilha de Creta também foi lançado um projecto chamado “Work & Paradise” que promete a chance de trabalhar em vilas à beira da piscina.

Sem um registo digital de nómadas é difícil determinar quantos estão na Grécia. O grupo do Facebook Digital Nomads Athens conta com 3600 membros de países como Irlanda, França, Estados Unidos e Estónia.

Sanne Goslinga, directora de talentos da Marathon Venture Capital, que se mudou de Berlim, recebeu várias mensagens no LinkedIn de pessoas interessadas em empregos na Grécia. “A Geração Z assume riscos. Eles dizem ‘vou apenas ver e sempre posso voltar para o meu país’”, disse.

Stefanos Bournias, nascido na Grécia e criado em Bali, mudou-se de Amesterdão em Março passado, trabalhando para a Lokalise, uma empresa de software de tradução da Letónia. “Uma parte de mim quer ver a Grécia a curar muitos dos seus problemas, especialmente com capital humano e a fuga de cérebros”, disse o jovem de 25 anos de um espaço de coworking.

Bournias ficou inicialmente desanimado pela falta de oportunidades, pelas condições de trabalho e pelo salário. Como residente estrangeiro, passou por “camadas e camadas de burocracia” em coisas como obter uma isenção militar ou abrir uma conta bancária. “Se desconsiderarmos isto tudo e ganharmos um salário competitivo da Europa Ocidental, o padrão de vida aqui é incrível”, disse.

Ainda assim, no NomadsList, que classifica os melhores locais para teletrabalhadores, Atenas ocupa apenas o 65.º lugar numa lista encabeçada por Lisboa.

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Rowena Harding, consultora de comunicações australiana-britânica, em teletrabalho na Grécia Agência Reuteres

Para alguns, como Harding, as vantagens da Grécia superam os contratempos que, segundo ela, incluem cortes de energia. A consultora de comunicações prevê, entretanto, encontrar um local de residência permanente.

Para outros casos, o futuro é menos certo. “Neste momento está a funcionar para mim”, disse Bournias. "Mas acho que provavelmente irei embora a qualquer momento.”

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