Covid-19: O impacto da pandemia e o papel das IPSS

Se sabemos que a covid-19 expôs e agravou as desigualdades sociais, então urge procurar os impactos desta pandemia junto das instituições que apoiam as pessoas mais vulneráveis e compreender as respostas que lhes estão a ser dadas.

Há um ano que a covid-19 está presente em Portugal. Ao longo deste período temos vindo a compreender gradualmente os múltiplos, complexos e dramáticos impactos desta pandemia na sociedade portuguesa. Contudo, alguns setores têm sido objeto de maior atenção e visibilidade que outros. Um dos menos visíveis é o setor da economia social e solidária. Para além de situações pontuais altamente mediatizadas relativas a surtos de infeção em lares, o que se conhece sobre o papel das Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS) no apoio aos que mais sofreram com a pandemia? Se sabemos que a covid-19 expôs e agravou as desigualdades sociais, então urge procurar os impactos desta pandemia junto das instituições que apoiam as pessoas mais vulneráveis e compreender as respostas que lhes estão a ser dadas.

Foi com este objetivo que a Área Transversal de Economia Social da Universidade Católica Portuguesa, em colaboração com a Confederação Nacional de Instituições de Solidariedade, lançou, em julho de 2020, o estudo exploratório “Impacto da pandemia de covid-19 nas IPSS e seus utentes em Portugal”, ao qual responderam 329 IPSS de todo o país.

Os resultados do estudo, conhecidos no início de março, confirmam que a pandemia de covid-19 está a afetar profundamente as populações socialmente vulneráveis e com saúde mais frágil. É neste universo que atuam as IPSS, às quais a situação pandémica trouxe novos e complexos desafios, que exigiram uma resposta pronta. Mesmo num cenário de grande confusão e incerteza, as IPSS souberam adaptar-se e mobilizar recursos, produzindo respostas flexíveis e criativas, com elevado sentido solidário, muitas vezes para além das suas responsabilidades formais. A proximidade que as IPSS têm com os territórios onde se inserem, com os utentes, as suas famílias e a comunidade, permitiu-lhes um conhecimento da realidade a partir “de dentro”, intervindo desde a primeira hora em domínios como a segurança alimentar, os cuidados de saúde quotidianos, o isolamento e os desafios associados à (i)literacia digital. A atuação destas organizações na resposta à pandemia também realçou o seu contributo na prestação de serviços de saúde, desempenhando um papel essencial na prevenção e na manutenção dos níveis de saúde pública do país.

Importa destacar que os recursos humanos das IPSS, tal como os profissionais de saúde, se mantiveram na “linha da frente” do combate à crise sanitária e social, com dedicação extraordinária, desgaste físico e emocional e até risco de contágio para si e para as suas famílias. No entanto, a fragilidade económico-financeira destas instituições, muitas vezes refletida em salários baixos, dificuldades em contratar e reter profissionais e equipamentos insuficientes, ficou agravada pela diminuição das suas receitas e pelo aumento dos custos com, nomeadamente, as medidas de proteção e desinfeção. Um aspeto positivo identificado foi, porém, o elevado sentido de colaboração entre as IPSS, que se manifestou na partilha de boas práticas e no suporte mútuo, relevando o papel central das redes territoriais na resposta às crises, onde é essencial a colaboração com as autarquias e as unidades de saúde local.

Considerando estes resultados, questionamo-nos: será que o reconhecimento público aos trabalhadores sociais irá crescer? Será que a pandemia elevou o perfil das IPSS e aumentou o apreço pelo papel, valor e contribuição que o sector proporciona? Se, como lembra este estudo, não é possível uma estratégia eficaz de saúde pública sem saúde social, então não pode haver austeridade nos serviços prestados pelas IPSS se queremos uma sociedade justa e decente.


Os autores escrevem segundo o novo Acordo Ortográfico

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