Turquia condena oficiais a pena perpétua agravada num dos últimos julgamentos do golpe de 2016

Com estas sentenças, são já mais de 2500 os condenados a prisão perpétua por envolvimento na conspiração contra Erdogan. Nada que faça desaparecer as tensões entre o Presidente e os militares turcos.

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Quase 500 acusados conheceram a sua sentença na quarta-feira, em Ancara EPA

É descrito como o último dos julgamentos em Ancara e com o seu fim são já 289 os processos realizados contra os envolvidos na tentativa de derrubar o Presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, a 15 de Julho de 2016. Este, o chamado processo do regimento da guarda presidencial, terminou com 22 condenados a prisão perpétua, incluindo seis com uma pena agravada por “violar a Constituição” – pena perpétua agravada é a punição mais grave no país desde a abolição da pena de morte e não permite liberdade condicional.

Quase 500 acusados conheceram a sua sentença na quarta-feira, com mais de 100 condenados a penas de até 16 anos de prisão e outros 100 ilibados. Alguns foram julgados por ocuparem a sede da televisão estatal TRT na noite do golpe, obrigando o apresentador de serviço a ler um comunicado onde se anunciava que os militares tinham assumido o controlo para proteger a democracia de Erdogan. Os oficiais que lideraram essa operação vão passar o resto da vida na cadeia.

Ao todo, já foram condenadas a prisão perpétua mais de 2500 pessoas – no maior processo contra suspeitos de envolvimento no golpe falhado, no fim de Novembro, a Justiça condenou a prisão perpétua 337 pessoas, na sua maioria antigos pilotos, considerados responsáveis por dirigir o golpe a partir da base aérea de Akinci, perto da capital, ordenando o bombardeamento de edifícios governamentais e tentando assassinar o Presidente. Na altura, havia dez julgamentos ainda a decorrer.

Nesse processo estavam acusados dez civis, incluindo Fethullah Gülen, o líder religioso considerado o instigador do golpe e julgado à revelia. A Turquia pediu sem sucesso aos Estados Unidos para extraditarem o imã que vive na Pensilvânia desde 1998.

Gülen, antigo aliado de Erdogan há muito transformado em rival, sempre desmentiu qualquer papel no golpe que fez 251 mortos – na maioria civis que saíram à rua, em resposta a um apelo do Presidente, e enfrentaram os golpistas. Desde então, qualquer turco suspeito de ligações ao movimento social e religioso de Gülen, Hizmet (serviço), que inclui uma rede de escolas e universidades em 160 países, foi alvo de perseguição pelo Estado.

De acordo com números divulgados pelo Ministério do Interior em Novembro, 292 mil pessoas foram detidas e 150 mil funcionários públicos foram despedidos ou suspensos. As purgas nos quartéis saldam-se por mais de 20 mil expulsões, com o Governo a aproveitar para silenciar jornalistas críticos e opositores.

"Quer queiram quer não"

Apesar dos 289 julgamentos já realizados, as operações contra suspeitos gulenistas ainda são frequentes e o golpe falhado continua a moldar parte da acção de Erdogan, numa governação crescentemente autoritária. As relações do líder do AKP (Partido da Justiça e do Desenvolvimento) com as Forças Armadas nunca foram fáceis: foi a sua chegada ao poder, em 2002, que acabou com o domínio dos militares no país.

Na segunda-feira, a Turquia prendeu dez almirantes na reforma e colocou outros quatro sob vigilância, esperando-se que acabem por enfrentar acusações idênticas aos dos envolvidos no golpe. São considerados os organizadores de uma carta aberta assinada por 104 ex-oficiais que o Governo interpretou como uma ameaça de golpe, e onde se critica o megaprojecto Canal Istambul e se adverte contra a possibilidade de a Turquia abandonar a Convenção de Montreux, que dá a Ancara o controlo dos estreitos do Bósforo e dos Dardanelos.

Meral Aksener, a experiente política que rompeu com o MHP (extrema-direita nacionalista) quando o partido se aliou a Erdogan e hoje lidera o IYP (nacionalista e secularista), acusou na quarta-feira o Presidente de usar o texto dos almirantes para ignorar as preocupações dos turcos – o projecto do novo canal envolve custos astronómicos (perto de oito mil milhões de euros) e tem impacto ambiental. O líder turco, afirmou Aksener, continua a acusar todos os opositores de terrorismo ou de planearem um golpe.

Pouco depois, num encontro com deputados do AKP, Erdogan afirmou que a construção do canal vai avançar “quer queiram quer não”.

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