Juro que estou contente pelo regresso às aulas, mas...

Ser mãe é sempre contraditório, é como quando desejamos mais do que tudo que adormeçam para ter saudades deles assim que o fazem!

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@designer.sandraf

Querida mãe,

Ai eu sei, eu sei! É super importante que os miúdos voltem para a escola, as desigualdades do sistema online, o desespero dos pais, a socialização... concordo a 100%. Mas, mãe, nem por isso deixa de me custar horrores voltar a acordar às 7h, fazer almoços, lembrar-me que tenho de ter o que lhes dar para almoçar (ao invés de poder desencantar qualquer coisa no momento... lá mais para as 13 h, quando o meu cérebro já carbura melhor). Só o tocar nos termos e lembrar-me que os vou ter de lavar quando voltarem, aghh, essa tarefa aparentemente tão simples, mas tão irritante.

Vestir-me. Ficar apresentável o suficiente para me apresentar ao serviço. Vesti-los a eles, ou mandar vestir, que dá quase tanto trabalho. Apressá-los para sair de casa. Voltar atrás 20 vezes, porque se esquecem sempre de alguma coisa. Lembra-se daquele vídeo-paródia que fiz sobre as manhãs das mães — é voltar aí outra vez. 

Juro que estou contente pelo regresso às aulas, e sei que para a semana já me ajustei a mais esta mudança mas, mãe, também vou ter saudades deles! De almoçarmos juntos, de virem a correr contar-me uma coisa engraçada que um colega ou uma professora disse, de os ter a trabalhar na mesa da cozinha, enquanto faço máquinas ou passo a ferro.

De facto, ser mãe é sempre contraditório, é como quando desejamos mais do que tudo que adormeçam para ter saudades deles assim que o fazem! Ai, ai... Conselhos para apaziguar a saudade e esta ansiedade estúpida de transição? E prometa-me que acabaram estes vai à escola, não vai a escola? Já não aguento estas mudanças constantes!


Querida Filha,

Adoro, adoro o vídeo que me mandaste, é mesmo isso. Só que desde essa altura, em vez de três são quatro.

Muito a sério, sinto tanta empatia por ti que até dói. As manhãs foram o meu pior pesadelo enquanto mãe — muito piores do que as noites, porque não dormir de madrugada sabendo que posso dormir mais tarde não me faz diferença nenhuma. Quando o despertador tocava sentia um desespero enorme porque, além do mais, sabia o que me esperava: havia sempre birras de manhã, e tu eras a pior, calçava-te uma meia, mas começava no outro pé, já a primeira tinha voado pelo quarto.

Aquela gritaria do “Despachem-se! Despachem-se! Vamos chegar atrasados!” contamina a vida das famílias. Sempre defendi que as escolas deviam começar às 10h, e só não pensei na escola online porque esta pandemia estava para lá de toda a nossa imaginação.

Espera, falta-me confessar-te que a imagem de salsichas numa frigideira ainda antes do sol se erguer provoca-me sintomas que só podem ser classificados como de stress pós-traumático. E agora ainda deve ser pior com as mães a competirem pela lancheira mais vegan, mais saudável, mais sustentável do universo — sempre que vou (ia) buscar os teus filhos ao jardim-de-infância, admirava-me com a variedade de bolachas de sementes com aspecto incomestível que as pobres crianças tinham à sua frente no refeitório. Adiante.

O que me movia, confesso, era a ideia da minha secretária no jornal, da minha máquina de escrever só para mim, de ficar umas horas sem ouvir a palavra “mãe”, conseguindo acabar um pensamento — mal vos deixava na escola, inspirava fundo, e sentia-me livre. Qual saudades, qual carapuça. E, felizmente, não existiam telemóveis que vos permitissem desinquietar-me no emprego com os vossos estados de espírito.

Espera, mas nunca fui como aquelas mães admiráveis, a quem tiro o chapéu, que apesar de passarem por toda esta montanha-russa, ainda conseguiam – e conseguem! — chegar ao emprego impecavelmente vestidas e penteadas, e com as unhas perfeitas, pintadas sem um bocadinho de verniz a mais ou a menos.

Quanto a promessas, já passei essa fase, não prometo nada, a não ser que estou ansiosa por me sentar contigo numa esplanada ao sol. Só as duas.

Beijinhos.


No Birras de Mãe, uma avó/ mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, vão diariamente escrever-se, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. Na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam. Facebook Instagram.

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