“O difícil é encontrar um sector que não beneficie do 5G”

Depois do último ano pandémico, as empresas anseiam a oportunidade de normalizar o seu funcionamento, mas muita coisa mudou, sobretudo ao nível da digitalização. Há novas oportunidades e um sem fim de possibilidades para quem souber “agarrar” as mais-valias do 5G. António Reis Silva, Director de Marketing da área Empresarial da Vodafone Portugal, traça uma imagem do futuro ambicioso que espera o sector empresarial.

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Henrique Casinhas

Que mais-valias imediatas pode representar a chegada do 5G para as empresas?
A capacidade da rede 5G vai estar disponível de forma progressiva, o que significa que o imenso potencial desta tecnologia não vai ser totalmente disponibilizado na data de lançamento. Contudo, em Portugal vamos ter uma evolução mais rápida, uma vez que o nosso país é um dos poucos estados da União Europeia que ainda não disponibiliza serviços 5G, pelo que o lançamento será efectuado numa data em que a tecnologia também estará mais avançada. No que se refere às mais-valias imediatas nos serviços que a Vodafone presta aos seus clientes, que são já de elevada qualidade mesmo em contexto europeu, devemos sublinhar as maiores velocidades no tráfego de dados, as mais baixas latências e ainda a maior fiabilidade, o que se traduzirá numa melhor experiencia para os utilizadores, mas também vai permitir às empresas e à administração publica prestarem melhores serviços aos seus clientes e cidadãos. Outras das capacidades a destacar é a possibilidade de entregar elevadas velocidades de dados, mesmo em zonas rurais sem cobertura de fibra, prestação de serviços com níveis de resiliência tão elevados que permitirão que empresas e organizações montem serviços seus assentes na nossa rede e, finalmente, a capacidade da rede 5G para suportar a conectividade de milhões de devices, cerca de um por metro quadrado, o que permitirá que empresas e municípios possam monitorar e controlar as suas instalações e equipamentos. Estas capacidades levantam oportunidades enormes, como aumentar a eficiência operacional, reduzir custos e melhorar serviços, o que é importante para assegurar a competitividade das empresas nacionais e da nossa economia.

E se falarmos a médio-longo prazo?
No médio e longo prazo vamos ter um impacto tremendo, até vou acrescentar inimaginável, na revolução digital, seja pela transformação das empresas que já existem, seja porque vão aparecer novas empresas e profissões com impacto no crescimento económico e do emprego. Vários estudos apontam para uma contribuição acima dos 3 mil milhões de euros no crescimento da economia nacional até 2030, com impacto em inúmeros sectores de actividade. Dizendo isto, é muito importante sublinhar que o Estado português deve investir na capacitação digital da comunidade, para evitar que as nossas empresas fiquem mais expostas à competitividade das empresas externas e que a nossa economia se continue a atrasar em relação ao resto da UE. A capacitação digital, além de ter impacto no PIB, terá um impacto relevante na qualidade de vida das pessoas. Hoje desfrutamos de serviços de que era impossível beneficiar há 20 ou mesmo 10 anos. Existiria uma Uber como a conhecemos se não existissem smartphones e as redes 3G e 4G? Os benefícios do 5G são transversais a toda a economia, porque o 5G será uma parte muito importante de todo o ecossistema digital, que além da dimensão económica beneficiará áreas como a saúde, educação e cultura, por múltiplas razões, incluindo a facilidade de utilização de serviços de realidade aumentada e também o acesso a conteúdos mais imersivos através de serviços de realidade virtual. 

As empresas nacionais já entendem o carácter diferenciador que o 5G pode ter nos seus negócios?
Da leitura que temos, e dos estudos que fomos fazendo, mais de 50% das grandes empresas nacionais está atenta aos benefícios do 5G e disponível para iniciar pilotos para acelerar a sua adopção. Muitas das médias empresas também estão atentas e temos, ainda, todas as empresas mais relacionadas com a área digital e tecnológica. Tenho a certeza que vão aparecer novas start-ups e novas profissões, e muitas ainda não nos aparecem no horizonte porque é preciso cruzar ideias. Uma coisa é quem conhece a tecnologia 5G, outra é, por exemplo, cruzar esse conhecimento com as ideias de quem trabalha na saúde, e assim emergirem oportunidades. O inventor Alexander Bell, a quem devo a profissão que tenho, imaginava as telecomunicações como uma oportunidade que iria permitir que as pessoas assistissem a concertos remotamente, o que acabou por acontecer apenas com o aparecimento da rádio e da TV. Estou certo de que o Alexander Bell ficaria encantado em perceber que, com os níveis de latência e resiliência do 5G, poderia assistir remotamente a um concerto, em que parte dos músicos ou cantores também pudessem participar fora da sala em que estão os outros músicos.

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As telecomunicações começam por ligar pessoas, mas hoje estamos a ligar devices e a sensorizar pessoas. Manter esses ecossistemas conectados é uma oportunidade tremenda António Reis Silva, director de Marketing da área Empresarial da Vodafone Portugal

Em que medida o 5G vai permitir às empresas contornar dificuldades crónicas da sua evolução digital?
As redes disponíveis já permitiram suportar um ecossistema mais rico do que aquilo que acontecia antes. Suportam tudo? Não, mas não diria que o 3G e o 4G colocam problemas na evolução digital, bem pelo contrário: são facilitadores da evolução digital, como se viu aliás durante esta pandemia, e têm um impacto positivo na sociedade e na economia. As características disruptivas do 5G é que abrem novas oportunidades. Aproveitar essas oportunidades exige dedicação e investimento, mas é muito importante que isso aconteça para manter a competitividade a nível nacional e internacional. Uma rede wireless com elevada resiliência e baixa latência permite maior modernização por parte das empresas. No final da década vamos ter serviços dos quais não beneficiamos hoje, incluindo por parte do Estado. É importante sublinhar que os fundos europeus alocados ao Plano de Recuperação e Resiliência de que se tem falado, bem como o Portugal 20-30, são um bom suporte a este processo de digitalização. Mas tem de haver boa colaboração entre as empresas, uma vez que estas tecnologias requerem ecossistemas de parceria para que se casem as ideias e as competências. Ninguém domina completamente todo este know-how e ser capaz de estabelecer esta cooperação é um aspecto fundamental. Foi este raciocínio, aliás, que levou a Vodafone Portugal, em 2018, a criar o 5G Hub, plataforma de inovação que junta quem tem o conhecimento da rede 5G, neste caso a Vodafone, a empresas, star-ups, universidades para se testar a quinta geração móvel e, na colaboração entre todos, surgirem use cases e oportunidades de negócio. ​

Quais são as áreas que mais podem beneficiar da chegada da quinta geração das redes móveis?
Os benefícios do 5G serão transversais a toda a economia. A área da saúde é uma das que mais pode beneficiar, será um business case positivo e em coisas tão instintivas como estabelecer uma rede privada num hospital sem fios, permitir a sensorização das instalações hospitalares ou fazer a monitorização em tempo real dos pacientes, até pacientes remotos. Uma ambulância conectada fará a diferença, assim como enviar um drone com um medicamento ou com um equipamento que seja urgente, como um desfibrilador. Com as novas capacidades e maiores níveis de fiabilidade do 5G, podem surgir este tipo de serviços. No ensino a mesma coisa: quem me dera ter estudado História com conteúdos imersivos e a “falar” com Luís de Camões ou fazer perguntas a Eça de Queirós. Isto aguça a curiosidade dos estudantes, a sua capacidade de aprendizagem, e melhora a experiência dos professores. Na área da indústria, a grande resiliência e a baixa latência permitem fazer coisas que hoje não se fazem. A robotização da indústria é algo de que se fala muito, se um robô não tiver cabos é ainda mais flexível, especialmente actuando com latências de um milissegundo evita erros e desperdício. A logística é outra área que beneficiará muito do 5G, ou a gestão municipal. Uma cidade pode ser completamente monitorizada e isto melhora a segurança pública, a eficiência energética, a mobilidade e os níveis de poluição, entre tantas outras coisas. O difícil é encontrar um sector que não beneficie desta evolução tecnológica, que não beneficie do 5G.​

Podemos começar a falar em empresas do futuro? Qual o papel do 5G nesta evolução tecnológica e, em concreto, no que diz respeito à inteligência artificial?
O 5G beneficiará as empresas que existem à data, que podem melhorar os seus serviços. Poderão aparecer novas start-ups, algumas delas serão unicórnios. Quando nós sensorizamos mais, estamos a recolher mais informação, e recolher mais informação é importante para poder correr algoritmos e fazer análise mais cirúrgica. A partir de certos níveis de informação precisamos de computação, já não chega o cérebro humano, precisamos de Inteligência Artificial. Precisamos de rapidez de avaliação porque começamos a ter informação em tempo real e temos de agir em casos, por exemplo, de emergência. Gosto de sublinhar a questão da realidade aumentada porque está a cruzar informação à minha volta com informação que pode vir desta analítica e que até pode estar na cloud. Fala-se muito de sensorizar os territórios e de IoT (Internet of Things). Eu prefiro a expressão IoE - Internet of Everything. As telecomunicações começam por ligar pessoas, mas hoje, além disso, estamos a ligar devices e a sensorizar pessoas, com os seus smartphones. Manter esses ecossistemas conectados é uma oportunidade tremenda.

É possível identificar, desde já, eventuais novas profissões “possibilitadas” pelo 5G?
Há coisas que são inimagináveis. Como já referir, antecipam-se 2,3 milhões de novos empregos na Europa. Aplicado esse número a Portugal, falamos entre 50 e 100 mil novos empregos. É certo que grande parte deste emprego e destas novas profissões vão ser geradas na área digital. Isto quer dizer que apenas essas pessoas são importantes? Não! Não posso fazer programação de contabilidade sem saber contabilidade. Alguém que tenha estas competências de desenvolvimento de software e de aplicações inovadoras sabe tudo? Não, vai precisar de falar com as pessoas que ​estão na área da saúde, com os agricultores, com os artistas para cruzarem ideias e conseguirmos um progresso sólido. Conseguimos antecipar que vai haver mais emprego de pessoas com capacidade de ajudar na digitalização dessas áreas. Agora, quais são mesmo os unicórnios que vão nascer? Até quem tem muito capital gostaria de saber...

É inevitável falar da pandemia de Covid-19 que tem afectado todo o mundo. O 5G pode ser um “pulmão” pós-crise para acelerar a recuperação das empresas?
As redes de telecomunicações foram uma grande ajuda nesta pandemia. E se não fosse a pandemia não teria havido a aprovação dos fundos europeus, que em Portugal popularizou-se de “bazuca europeia”, mas que até preferia chamar de “pulmão”. O 5G pode ajudar no desempenho da performance deste Plano de Recuperação e Resiliência. A telecapacidade é fundamental para fazer face a pandemias. Não só porque a cobertura rural vai ser melhor, como as velocidades vão ser maiores, como os níveis de latência vão ser mais baixos. Vamos conseguir passar vídeos mais pesados via wireless, e, por exemplo, faz todo o sentido ter uma teleconsulta em videochamada. Se estiver a ver a imagem da pessoa com alta definição tenho melhor percepção do seu estado de saúde. Se tivermos maiores capacidades de ensino remoto teremos menos abandono escolar? Objectivamente sim. E o 5G trará aqui uma grande ajuda.​