“Bastões eram comummente usados”, diz mais um inspector do SEF

Dois arguidos são acusados do homicídio de Ihor Homenyuk e posse de arma ilegal, o bastão. Inspector disse em tribunal esta quarta-feira que lhe tinha sido distribuído um bastão e que ninguém lhe disse para “não usar”. Como o PÚBLICO noticiou ontem, director nacional afirmou que o SEF desconhecia quantas armas não-letais estavam distribuídas pelos funcionários.

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Daniel Rocha

Na 11.ª sessão do julgamento, mais um inspector do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) referiu que a utilização de bastão, que lhe foi entregue, era frequente. Aos juízes, Nuno Gaspar afirmou mesmo que “os bastões eram comummente usados” e que nunca ouviu alguém dizer para “não usar”.

O uso dos bastões pelos inspectores do SEF tem sido um dos temas do julgamento dos três inspectores — Duarte Laja, Bruno Sousa e Luís Silva — acusados do homicídio qualificado do ucraniano Ihor Homenyuk a 12 de Março do ano passado, no centro de instalação temporária do aeroporto de Lisboa. Isto porque, além do crime de homicídio qualificado, Luís Silva e Duarte Laja são acusados de posse de arma ilegal, por porte de um bastão. No despacho de acusação, o Ministério Público acusa os inspectores de agredirem Ihor Homenyuk brutalmente, provocando-lhe a morte.

Tal como noticiou o PÚBLICO na terça-feira, o director do SEF, o tenente-general Luís Francisco Botelho Miguel, chamado a depor em tribunal, preferiu responder, por escrito, às questões da advogada Maria Manuel Candal, que representa Luís Silva, e no documento afirmou que o SEF desconhece quantas armas não-letais estavam distribuídas pelos seus elementos — ou seja, aerossóis, bastões extensíveis ou armas eléctricas — e que, depois de ter determinado “a recolha geral de todas as armas de todas as classes, e respectivos acessórios e recargas”, recebeu 199 armas (dessas, apenas dois bastões). 

Segundo o tenente-general, foi só em Novembro do ano passado, na sequência de um relatório do inventário determinado em Agosto pela então directora nacional, Cristina Gatões, que o SEF concluiu que não havia rasto das armas que não eram de fogo. “Foi apurado que este tipo de armas não tinha um número de série e não eram alvo de qualquer sistema de inventariação por parte do serviço, sendo gerido numa lógica de ‘consumível’”.

Esta quarta-feira, o presidente do colectivo de juízes, Rui Coelho, anunciou que o tribunal pondera julgar os três inspectores por crimes menos graves do que o homicídio qualificado, substituindo-o por ofensas à integridade física qualificada grave, agravada pelo resultado, com uma moldura penal que pode ir até aos 16 anos de prisão. 

Na audiência desta quarta-feira, a advogada Maria Manuel Candal quis saber se Nuno Gaspar tinha tido formação sobre o uso de bastões. “Nunca”, respondeu. “Tive apenas referências” dentro de um módulo sobre “a forma como podemos alavancar um cidadão [com um bastão] para facilitar a algemagem”, mas nunca especificamente sobre o bastão. Questionado pelo juiz, Gaspar afirmou que recebeu formação sobre a utilização de algemas: devem ser usadas com “proporcionalidade, adequação e necessidade”, respondeu. Como “polícias”, têm autonomia para fazer detenções. Descreveu o dia 12 de Março a decorrer com “normalidade possível, dentro do contexto”. E esclareceu que o seu posto, como o dos arguidos, não era no centro de instalação temporária — mas na fronteira (que fica em zonas diferentes). 

Também na sessão do julgamento de 23 de Março, o formador do SEF Jorge Gomes referiu que não havia nenhuma indicação de que os inspectores não pudessem usar os bastões extensíveis e que as técnicas são orientadas para defesa e controlo do “adversário”, explicou. Já o inspector Tito Gonçalves reportou que vários colegas usam o bastão, mas que muitos, porque o serviço “era muito parco”, não tinham equipamento e adquiriram-no por iniciativa própria. 

Os três arguidos negam a acusação de homicídio qualificado. Dizem que nem sequer agrediram Ihor Homenyuk no dia 12 de Março de 2020. Segundo os seus advogados, estes inspectores estiveram apenas 30 minutos com Ihor quando, desde o dia em que chegou, a 10, de Março até à sua morte, a 12, foram vários os profissionais que com ele se cruzaram. A estratégia de defesa passa por implicar seguranças e outros inspectores — a de Luís Silva argumenta mesmo que deveriam ser constituídos arguidos dois seguranças e dois inspectores. Luís Silva e Duarte Laja são ainda acusados de posse de arma ilegal, por porte de bastões.

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