O jogo de soma nula da EDP

Enquanto a EDP se engrandecia a Terra de Miranda foi definhando e o Estado, na totalidade, foi observando. Escolheu não promover a coesão territorial nacional que tanto apregoa.

O Estado na totalidade – central, regional e municipal –, em relação à terra de Miranda, tem falhado. Tem falhado porque tem permitido que tenha sido uma Terra continuamente extraída e porque não tem promovido, como devia, o aproveitamento das suas potencialidades. O Estado escolheu ser patrocinador de incoesão territorial nacional, quando reclama, e muito bem, coesão territorial entre países no contexto europeu.

Sabemos que, em 308 municípios, o PIB per capita (ou seja, a riqueza produzida por habitante) de Miranda e de Mogadouro está nas posições 182 e 225, respetivamente. No entanto, tendo em conta a riqueza efetivamente produzida, i.e., contando também a ação das barragens hidroelétricas de Bemposta (concelho de Mogadouro), e Miranda e Picote (concelho de Miranda), o PIB per capita de Miranda passa para 5.º e o de Mogadouro para 25.º, a nível nacional. Ou seja, o PIB per capita duplicaria!

Esses valores asseguram-nos, sem qualquer dúvida, que a riqueza gerada na Terra de Miranda não é transferida para a população local. É antes extraída para fora do seu território. Na exploração deste recurso natural local, a EDP priorizou o seu lucro em detrimento da população, foi de tal modo extrativa que nem compensou o território pelas externalidades negativas que as barragens produziram. Só para citar alguns exemplos, a produção agrícola, em particular, de vinho, passou a necessitar de tratamentos adicionais e há danos ambientais visíveis.

A ação da EDP beneficiou da ausência de um Estado regulador da óbvia falha de mercado – na verdade, o Estado permitiu a extração de recursos locais com danos – e, em momentos “chave”, como agora, na venda da concessão das barragens, esteve presente, foi ativo, a promover a falha. Ou seja, por passividade ou por ação, o Estado contribuiu sempre para que a riqueza gerada na região nunca se tenha convertido em capital social local.

E qual a dimensão da riqueza extraída na Terra de Miranda por ação ou omissão do Estado? Sabe-se que o valor da venda das seis barragens, incluindo as três no Douro Internacional, teve um encaixe financeiro de 2,2 mil milhões de Euros. Ora, o valor cobrado pela EDP corresponde, como sempre nestes casos, ao valor atual dos lucros futuros com a concessão. Assumindo que a produção das seis barragens vendidas continuará ao nível da média anual atual e conhecendo o prazo de concessão, foi possível determinar o ganho da EDP por unidade produzida. Na posse desse valor e conhecendo a produção acumulada pelas três barragens situadas na Terra de Miranda, conclui-se que a EDP terá retirado do território bem mais do que 5 mil milhões de euros. Adicionando este valor ao que lhe corresponde do encaixe financeiro atual, pode dizer-se que a EDP extraiu 7 mil milhões de euros – as restantes três barragens não são significativamente rentáveis.

Só para ter uma ideia da grandeza, esses 7 mil milhões de euros correspondem a oito pontes Vasco da Gama, aos orçamentos das câmaras da Terra de Miranda – Mogadouro, Miranda e Vimioso – durante 131 anos, e à construção de 46 hospitais de 150 milhões de euros cada um. Em paralelo, a região foi empobrecendo e foi-se desumanizando.

Exemplo do empobrecimento da Terra de Miranda é a queda brutal da atividade produtiva, que, em algumas produções, passou para menos de 25% do valor antigo. Exemplo da respetiva desumanização é a quebra da população que, de 45.715 habitantes em 1950, passou para os atuais 19.338.

A Terra de Miranda não é pobre, mas está empobrecida por conivência do Estado que também não tem promovido o aproveitamento das suas potencialidades. Efetivamente, trata-se de uma terra que não se resume à biodiversidade e aos recursos naturais, mas que se distingue também pela unidade da cultura e que, como se sabe, se reflete numa língua – o mirandês. É reconhecido por todos que mesmo estes recursos estão subaproveitados.

Assim, enquanto a EDP se engrandecia a Terra de Miranda foi definhando e o Estado, na totalidade, foi observando. Nem a EDP nem o Estado foram inclusivos. A EDP não cumpriu o compromisso da sustentabilidade, foi sempre extrativa do recurso natural água que o Douro transportava – note-se que as barragens sem água não tem valor. E o Estado que, por ação ou omissão, foi sempre conivente com a extração, também não soube valorizar os respetivos recursos endógenos. Escolheu não promover a coesão territorial nacional que tanto apregoa.

Os Mirandeses tinham agora a expectativa de que, com a venda da concessão das barragens, a EDP se redimisse e contribuísse para a melhoria da massa crítica social, da atividade cultural e económica da Terra de Miranda. Apesar do mal anterior, ainda assim, ficaria recordada desta maneira. Mas, infelizmente, com a cumplicidade do Estado parece que não deseja que seja assim, apesar de, formalmente, se assumir como uma empresa de responsabilidade social.

Ora, as populações, cujo destino está naturalmente ligado aos seus recursos naturais em todas as partes do mundo (só para citar um exemplo muito simples, as praias do Algarve são a riqueza que permite aos algarvios, e bem, ter um PIB per capita relevante), não podiam e não deviam ser absolutamente ignoradas e desprezadas neste negócio final. Mas, infelizmente, foram.

No fundo, tudo se resume a isto: na Terra de Miranda, a EDP não quis “jogar” um jogo de soma positiva em que todos ganhariam. Preferiu, com ação e omissão do Estado, “jogar” um jogo de soma nula em que a muita sorte de alguns correspondeu ao grande azar de muitos.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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