O colega do teu filho reprovar também é um problema para o teu filho

Reprovar um aluno não só é uma medida ineficiente economicamente como ainda estamos a criar um problema maior.

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Daniel Rocha

Talvez não tenhas noção, mas, em Portugal, os alunos até aos 15 anos reprovam em média três vezes mais do que a média da OCDE. Vamos a números para clarificar. Em 2019, cerca de 34% dos alunos até aos 15 anos reprovaram pelo menos uma vez, quando a média da OCDE é de 12%. Tinhas noção de que estamos a falar de um em cada três alunos?

Este não é um problema novo, bem pelo contrário. Não é um problema que veio com a troika ou com a pandemia, é um problema muito antigo. Se bem que temos vindo a melhorar nos últimos anos (sim, o cenário era bem pior há uns dez ou 15 anos), não quer dizer que tenhamos resolvido o problema ou que seja um problema menor.

Em 2001, Jimerson, que é uma referência mundial no estudo deste tema, demonstrava numa análise a mais de 60 artigos escritos nos dez anos antes que apenas um deles defendia a retenção, enquanto todos os outros mostravam que a retenção não é, longe disso, solução para o problema das aprendizagens. Já na altura, há cerca de 20 anos, se demonstrava que, apesar da preferência de professores, pais, empregadores e mesmo estudantes em “reprovar do que passar sem saber”, a verdade é que a retenção não se traduz em nenhuma vantagem académica ao aluno.

Resumidamente, quando comparados os alunos em condições semelhantes, o grupo de estudantes que são retidos tem maior probabilidade de abandonar a escola, ter problemas disciplinares e não tem qualquer efeito positivo na aquisição de conhecimentos. Por norma, os alunos retidos são uma minoria, masculina, proveniente de classes económicas mais desfavorecidas.

Uma ideia que pode ser perigosa é a da promoção social, que em teoria teria tudo para ser uma solução perfeita e um argumento válido para a retenção, mas na prática só agrava o problema. A promoção social inerente à passagem de ano, ao invés de reter, e assim criar o grupo dos “bons alunos” e, por sua vez, rotular aqueles que não sabem o suficiente para os acompanhar, faz com que, no ano lectivo seguinte, na mesma sala de aula estejam alunos com diferenças de idade que podem ser significativas e isso não beneficia, bem pelo contrário, os alunos mais novos.

Ou seja, a retenção e a promoção social são estratégias falhadas para o contributo do sucesso dos estudantes, e isso não pode continuar a ser ignorado por ninguém que faça parte da comunidade académica.

Portanto, se quando dizemos que é prejudicial para um estudante perder o seu grupo, os seus colegas, o mesmo se pode aplicar aos colegas que perderam aquele que ficou retido. Pior, existirá sempre um grupo de alunos que, mesmo ainda não tendo contactado com o aluno repetente, estão já a ser prejudicados porque irão partilhar a mesma sala de aula com um aluno mais velho, que estará um ano inteiro a ouvir a mesma matéria, a que adquiriu e a que ficou por adquirir, e que não se vai identificar com aquele grupo.

Há uns anos, quando eu ainda andava na escola, era usual haver uma turma de alunos onde iriam parar todos os repetentes daquele ano, o que está na mesma lógica de guetização. Caso os alunos preenchessem uma turma, tínhamos a turma dos repetentes, caso contrário, tínhamos uma turma com vários repetentes e alguns alunos no seu normal percurso escolar.

A solução não passa por reter e a questão não é entre reprovar ou passar sem saber, é em formar professores para a questão, promover o diagnóstico atempado e munir as escolas de instrumentos que sejam válidos na resposta ao problema. Reprovar um aluno não só é uma medida ineficiente economicamente como ainda estamos a criar um problema maior.

E o teu filho não merece ter um colega que seja “o repetente”.

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