Marcelo, “salvador preventivo” de leis, orçamentos, pátria e arredores

Num ano em que o Governo, por causa da pandemia, proibiu o direito ao trabalho a uma quantidade muito elevada de portugueses – “Todos têm direito ao trabalho”, segundo o artigo 58 da Constituição – a suspensão deste direito constitucional torna ainda mais necessários os “valores de justiça social” que a Constituição estabelece.

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LUSA/MANUEL DE ALMEIDA
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Na conferência de imprensa que deu este domingo ao visitar um cuidador informal – e chamar a atenção do Governo para o muito que está por fazer nesse capítulo – Marcelo usou várias vezes a palavra “salvar”. Ele “salvou” leis, “salvou” orçamentos e está agora empreender a “salvação preventiva”, de modo a conseguir que os próximos dois orçamentos sejam aprovados e não se abra uma crise política. A promulgação dos diplomas que violam a lei-travão e que puseram um Costa furibundo a mandar as leis para o Tribunal Constitucional tiveram, disse o Presidente, esse objectivo. Na mensagem, já tinha apelado a que o Governo minoritário tinha que dialogar – o que, de resto, é da mais elementar clarividência e a obsessão de Costa de governar como se tivesse maioria absoluta não trouxe nada de bom até aqui, ainda que as sondagens lhe continuem a ser bastante favoráveis.

Marcelo tem levado bastante pancada por estes dias, com todos os constitucionalistas a convergir em que promulgou uma lei inconstitucional. A questão é que não só a maioria do Parlamento aprovou as leis (uma delas até teve o apoio do PS) como no ano passado – lembrou Marcelo – o Orçamento suplementar tinha mais receitas do que despesas e ninguém se incomodou.

O Presidente lembrou ainda que a Constituição tem para lá “valores de justiça social”. Num ano em que o Governo, por causa da pandemia, proibiu o direito ao trabalho a uma quantidade muito elevada de portugueses – “Todos têm direito ao trabalho”, segundo o artigo 58 da Constituição – a suspensão deste direito constitucional torna ainda mais necessários os “valores de justiça social” que a Constituição estabelece.

A ideia de um Presidente a actuar em nome da “salvação preventiva” de Orçamentos de Estado não deixa de ser “criativa”, como diria o PM. Depois do afastamento do Bloco, continua a ser muito provável que o PCP e o PAN continuem a viabilizar os orçamentos do Governo minoritário. Mas, por vezes, acontecem acelerações históricas e as próximas eleições autárquicas podem ser um ponto de viragem – a transfiguração do PCP de partido de rua em partido ainda-mais-institucional-do-que-antes tem-lhe valido perdas eleitorais relevantes.

As pessoas comuns entendem a necessidade de mais apoios sociais porque sofrem a crise na pele. Portugal é um dos países, a nível europeu, que menos gastou no combate aos efeitos devastadores da Covid. E em termos de resposta à crise, a União Europeia tem sido uma anã, em comparação com a resposta gigante dos Estados Unidos. Ah, também há outras coisas na Constituição a que ninguém liga. Vejam o artigo 72: “As pessoas idosas têm direito à segurança económica e condições de habitação”. Ou o artigo 65: “Todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada”. Temos um país bastante inconstitucional, é o que é.

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